CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 101
Chegavam os garçons contratados para
servir o jantar, começavam a preparar a sala, juntando mesas. Quase ao mesmo
tempo, o Juiz de Direito, um pacote de livros sob o braço, sentava-se do lado
de fora com João Fulgêncio e Josué.
Admiravam Glória na janela, o Juiz
considerava aqui lo um verdadeiro
escândalo. João Fulgêncio ria, discordava:
-
Glória, seu doutor, é uma necessidade social, devia ser considerada de
utilidade pública pela Intendência como o Grémio Rui Barbosa, a Euterpe 13 de
Maio, a Santa Casa da Misericórdia.
Glória exerce importante função na
sociedade. Com a simples acção da sua presença na janela, com o passar, de
quando em quando, pela rua, ela eleva a um nível superior um dos aspectos mais
sérios da vida da cidade: sua vida sexual. Educa os jovens no gosto à beleza e
dá dignidade aos sonhos dos maridos de mulheres feias, infelizmente a grande
maioria da nossa cidade, às suas obrigações matrimoniais, que, de outra
maneira, seriam insuportável sacrifício.
O Juiz dignava-se concordar.
-
Bela defesa, meu caro, digna de quem a faz e de quem é feita. Mas, aqui para nós, não é mesmo absurdo tanta carne de
mulher para um homem só? E um homem pequeno magrinho… se ela pelo menos não
estivesse o dia todo à vista, como está…
-
E o que é que o senhor pensa? Que ninguém dorme com ela? Engano, meu caro Juiz,
engano…
-
Não me diga, João! Quem se atreve?
-
A maioria dos homens, Digníssimo. Quando dormem com as esposas estão pensando é
na Glória. É com ela que dormem.
-
Ora, seu João Fulgêncio, eu logo devia adivinhar que se tratava de paradoxo…
-
De qualquer maneira, essa dona aí é uma tentação – disse Josué. – Ela só falta
agarrar a gente com os olhos…
Alguém aparecia agitando um exemplar do
Diário de Ilhéus:
-
Já viram?
João Fulgêncio e Josué já tinham lido. O
Juiz apoderou-se do jornal, botou os óculos. Noutras mesas também comentavam.
- Que me dizem?
-
A política vai pegar fogo…
-
Esse jantar de hoje vai ser gozado…
Josué continuava a falar sobre Glória.
-
O que é admirável é que ninguém se atreva a meter-se com ela. Para mim é um
mistério.
O professor Josué era novato na terra
trazido por Enoch quando fundara o colégio. Apesar de ter-se de imediato
adaptado, de frequentar a Papelaria Modelo e bar do Vesúvio, de aparecer nos
cabarés, de aparecer nos cabarés, de discursar nas festividades, de cear em
casas de mulheres, ainda desconhecia muitas das histórias de Ilhéus.
Enquanto os outros discutiam o artigo do
Diário, João Fulgêncio contou-lhe o sucedido entre o coronel Coriolano e Tonico
Bastos pouco antes da vinda de Josué para a cidade, quando o coronel pusera
casa para Glória.
(Click e aumente a imagem - Perdida e Achada na Natureza)
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