sexta-feira, maio 18, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 101



Chegavam os garçons contratados para servir o jantar, começavam a preparar a sala, juntando mesas. Quase ao mesmo tempo, o Juiz de Direito, um pacote de livros sob o braço, sentava-se do lado de fora com João Fulgêncio e Josué.

Admiravam Glória na janela, o Juiz considerava aquilo um verdadeiro escândalo. João Fulgêncio ria, discordava:

 - Glória, seu doutor, é uma necessidade social, devia ser considerada de utilidade pública pela Intendência como o Grémio Rui Barbosa, a Euterpe 13 de Maio, a Santa Casa da Misericórdia.

Glória exerce importante função na sociedade. Com a simples acção da sua presença na janela, com o passar, de quando em quando, pela rua, ela eleva a um nível superior um dos aspectos mais sérios da vida da cidade: sua vida sexual. Educa os jovens no gosto à beleza e dá dignidade aos sonhos dos maridos de mulheres feias, infelizmente a grande maioria da nossa cidade, às suas obrigações matrimoniais, que, de outra maneira, seriam insuportável sacrifício.

O Juiz dignava-se concordar.

 - Bela defesa, meu caro, digna de quem a faz e de quem é feita. Mas, aqui para nós, não é mesmo absurdo tanta carne de mulher para um homem só? E um homem pequeno magrinho… se ela pelo menos não estivesse o dia todo à vista, como está…

 - E o que é que o senhor pensa? Que ninguém dorme com ela? Engano, meu caro Juiz, engano…

 - Não me diga, João! Quem se atreve?

 - A maioria dos homens, Digníssimo. Quando dormem com as esposas estão pensando é na Glória. É com ela que dormem.

 - Ora, seu João Fulgêncio, eu logo devia adivinhar que se tratava de paradoxo…

 - De qualquer maneira, essa dona aí é uma tentação – disse Josué. – Ela só falta agarrar a gente com os olhos…

Alguém aparecia agitando um exemplar do Diário de Ilhéus:

 - Já viram?

João Fulgêncio e Josué já tinham lido. O Juiz apoderou-se do jornal, botou os óculos. Noutras mesas também comentavam.

  - Que me dizem?

 - A política vai pegar fogo…

 - Esse jantar de hoje vai ser gozado…

Josué continuava a falar sobre Glória.

 - O que é admirável é que ninguém se atreva a meter-se com ela. Para mim é um mistério.

O professor Josué era novato na terra trazido por Enoch quando fundara o colégio. Apesar de ter-se de imediato adaptado, de frequentar a Papelaria Modelo e bar do Vesúvio, de aparecer nos cabarés, de aparecer nos cabarés, de discursar nas festividades, de cear em casas de mulheres, ainda desconhecia muitas das histórias de Ilhéus.

Enquanto os outros discutiam o artigo do Diário, João Fulgêncio contou-lhe o sucedido entre o coronel Coriolano e Tonico Bastos pouco antes da vinda de Josué para a cidade, quando o coronel pusera casa para Glória.


(Click e aumente a imagem - Perdida e Achada na Natureza)
  

Site Meter