CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 108
Porque diferente, que queria dizer João Fulgêncio,
homem tão ilustrado com aquela coisa de “carácter”? A verdade é que ela
aparecera no velório, levando flores. O pai visitara Jesuíno, “levara-lhe o seu
abraço” como ele mesmo dissera a Nacib no “mercado de escravos”.
A filha, moça solteira e estudante, à espera de noivo,
que diabo fora fazer junto ao caixão de Sinhàzinha? Tudo dividido, o pai de um
lado, a filha do outro. Esse mundo é complicado, entenda-o quem qui ser, estava acima de suas forças, não passava de
dono de bar, porque pensar em tudo isso?
Tinha era de ganhar dinheiro para um dia comprar roça
de cacau. Se Deus ajudasse, haveria de comprar. Talvez então pudesse olhar o
rosto de Malvina, tentar decifrar o seu enigma. Ou pelo menos botar casa para
rapariga igual a Glória.
Estava com sede, foi beber água na moringa da cozinha.
Viu o pacote com o vestido e os chinelos, trazidos da loja do tio. Ficou
indeciso. O melhor era entregar no outro dia. Ou botar na porta do quartinho
dos fundos para a empregada encontrar quando acordasse. Como se fosse Natal…
Sorriu, tomou do embrulho. Na cozinha engoliu a água
em grandes goles, bebera muito naquele dia, durante o jantar, ajudando a
servir.
A Lua, no alto dos céus, iluminava o qui ntal de mamoeiros e goiabeiras. A porta do quarto
da empregada estava aberta. Talvez por causa do calor. No tempo de Filomena era
trancada à chave, a velha tinha medo de, ladrões, sua riqueza eram os quadros
dos santos.
O luar entrava quarto adentro. Nacib aproximou-se,
deixaria o pacote nos pés da cama, ela levaria um susto pela manhã. E talvez na
própria noite…
Os olhos perscrutaram a escuridão. A réstia de luar
subia pela cama, iluminava um pedaço de perna. Nacib firmou a vista, já excitado.
Esperara dormir essa noite nos braços de Risoleta, nessa certeza fora ao
cabaré, antegozando a sabedoria dela, de prostituta de cidade grande.
Ficara-lhe o desejo irritado. Agora via o corpo moreno de Gabriela, a perna
saindo da cama. Mais do que via, adivinhava sob a coberta remendada, mal
cobrindo a combinação rasgada, o ventre e os seios. Um seio saltava pela
metade, Nacib procurava enxergar. E aquele perfume de cravo de tontear.
Gabriela agitou-se no sono, o árabe transpusera a
porta. Estava com a mão estendida, sem coragem de tocar, o corpo dormido.
Porque apressar-se? Se ela gritasse, se fizesse um escândalo, fosse embora?
Ficaria sem cozinheira, outra igual a ela jamais encontraria. O melhor era
deixar o pacote na beira da cama. No outro dia demoraria mais em casa, ganhando
sua confiança pouco a pouco, terminaria por conqui stá-la.
Sua mão quase tremia pousando o embrulho. Gabriela
sobressaltou-se, abriu os olhos, ia falar, mas viu Nacib de pé, a fitá-la. Com
a mão instintivamente procurou o cobertor, mas tudo o que conseguiu – por
acanhamento ou por malícia? - foi fazê-la escorregar da cama. Levantou-se a
meio, ficou sentada, sorria tímida. Não buscava esconder o seio, agora visível
ao luar.
- Vim
trazer-lhe um presente – gaguejou Nacib – ia botar em sua cama. Cheguei
agorinha…
Ela sorria, era de medo ou era para encorajar? Tudo
podia ser, ela parecia uma criança, as coxas e os seios à mostra, como se não
visse mal naqui lo, como se nada
soubesse daquelas coisas, fosse toda ela inocência. Tirou o embrulho da mão
dele:
- Obrigado,
moço. Deus lhe pague.
(carregue na imagem do "casal". Gabriela, "mulher criança". Nacib, "moço de sorte".)
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