sábado, maio 12, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 96



O enterro de Osmundo despontava na praça, vindo da avenida na praia.

 - Não tem gente nem para pegar nas alças do caixão… - comentou alguém.

Pura verdade. Era difícil adivinhar-se enterro mais magro de acompanhamento. Só mesmo as pessoas mais chegadas a Osmundo tiveram a coragem de acompanhá-lo nesse seu último passeio pelas ruas de Ihéus.

Levar o dentista ao cemitério era quase uma afronta ao coronel Jesuíno e à sociedade. Ari Santos, o Capitão, Nhô-Galo, um redactor do Diário de Ilhéus, uns poucos mais revezavam-se nas alças do caixão.

O morto não tinha família em Ihéus, mas nos meses que ali passara fizera muitas relações, homem dado, amável, frequentador dos bailes do Clube Progresso, das reuniões do Grémio Rui Barbosa, das danças familiares, dos bares e cabarés. No entanto, ia para o cemitério como um pobre diabo, sem coroas e sem lágrimas.

Um comerciante recebera um telegrama do pai de Osmundo, com quem mantinha negócios, pedindo-lhe que tomasse todas as providências para o enterro do filho e anunciando que chegaria pelo primeiro navio.

O comerciante encomendara caixão e cova, contratara alguns homens no porto para levar o esquife no caso de não aparecer nenhum amigo, não achara necessário gastar dinheiro com coroas e flores.

Nacib não mantivera relações estreitas com Osmundo. Uma ou outra vez o dentista parava no bar, seu ponto era o Café Chic. Tomava um trago quase sempre com Ari Santos ou com o professor Josué. Declamavam-se sonetos, liam-se pedaços de prosa, discutiam literatura.

Por vezes acontecia o árabe sentar-se com eles: ouvia trechos de crónicas, versos falando em mulher. Como todo o mundo achava o dentista um bom rapaz, diziam-no competente profissional, sua clientela aumentava. Vendo agora o enterro mesquinho, aquela ausência de gente e de flores, aquele caixão pelado, sentia-se triste.

Era, afinal uma injustiça, uma coisa desairosa para a própria cidade. Onde estavam os que lhe louvavam o talento de versejador, os clientes a elogiar a sua mão tão leve na extracção de molares, seus colegas do grémio Rui Barbosa, os amigos do Clube Progresso, os parceiros do bar?

Medo do coronel Jesuíno saber, das solteironas comentarem, que a cidade os pensasse solidários com Osmundo.

Um moleque atravessou o enterro distribuindo anúncios do cinema, da estreia naquela mesma noite do “famoso mágico hindu Príncipe Sandra, o maior ilusionista do século, faquir e hipnotizador, aclamado pelas plateias da Europa, e de sua bela ajudante, Madame Anabela, médio vidente e assombro de telepatia”.

Levado pelo vento, um dos anúncios voava sobre o caixão. Osmundo não conheceria Anabela, não se juntaria ao seu séquito de admiradores, não participaria, não participaria da concorrência em torno do seu corpo.

O enterro passava perto do átrio da igreja. Nacib se incorporou ao acompanhamento. Não iria até ao cemitério, não podia deixar o bar, naquela noite era o jantar da Empresa de Ónibus. Mas o acompanharia pelo menos uns dois quarteirões, sentia-se obrigado a fazê-lo.


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