CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 96
O enterro de Osmundo despontava na
praça, vindo da avenida na praia.
-
Não tem gente nem para pegar nas alças do caixão… - comentou alguém.
Pura verdade. Era difícil adivinhar-se
enterro mais magro de acompanhamento. Só mesmo as pessoas mais chegadas a
Osmundo tiveram a coragem de acompanhá-lo nesse seu último passeio pelas ruas
de Ihéus.
Levar o dentista ao cemitério era quase
uma afronta ao coronel Jesuíno e à sociedade. Ari Santos, o Capitão, Nhô-Galo,
um redactor do Diário de Ilhéus, uns poucos mais revezavam-se nas alças do
caixão.
O morto não tinha família em Ihéus, mas
nos meses que ali passara fizera muitas relações, homem dado, amável,
frequentador dos bailes do Clube Progresso, das reuniões do Grémio Rui Barbosa,
das danças familiares, dos bares e cabarés. No entanto, ia para o cemitério
como um pobre diabo, sem coroas e sem lágrimas.
Um comerciante recebera um telegrama do
pai de Osmundo, com quem mantinha negócios, pedindo-lhe que tomasse todas as providências
para o enterro do filho e anunciando que chegaria pelo primeiro navio.
O comerciante encomendara caixão e cova,
contratara alguns homens no porto para levar o esqui fe
no caso de não aparecer nenhum amigo, não achara necessário gastar dinheiro com
coroas e flores.
Nacib não mantivera relações estreitas
com Osmundo. Uma ou outra vez o dentista parava no bar, seu ponto era o Café
Chic. Tomava um trago quase sempre com Ari Santos ou com o professor Josué.
Declamavam-se sonetos, liam-se pedaços de prosa, discutiam literatura.
Por vezes acontecia o árabe sentar-se
com eles: ouvia trechos de crónicas, versos falando em mulher. Como todo o
mundo achava o dentista um bom rapaz, diziam-no competente profissional, sua
clientela aumentava. Vendo agora o enterro mesqui nho,
aquela ausência de gente e de flores, aquele caixão pelado, sentia-se triste.
Era, afinal uma injustiça, uma coisa
desairosa para a própria cidade. Onde estavam os que lhe louvavam o talento de
versejador, os clientes a elogiar a sua mão tão leve na extracção de molares,
seus colegas do grémio Rui Barbosa, os amigos do Clube Progresso, os parceiros
do bar?
Medo do coronel Jesuíno saber, das
solteironas comentarem, que a cidade os pensasse solidários com Osmundo.
Um moleque atravessou o enterro
distribuindo anúncios do cinema, da estreia naquela mesma noite do “famoso
mágico hindu Príncipe Sandra, o maior ilusionista do século, faqui r e hipnotizador, aclamado pelas plateias da
Europa, e de sua bela ajudante, Madame Anabela, médio vidente e assombro de
telepatia”.
Levado pelo vento, um dos anúncios voava
sobre o caixão. Osmundo não conheceria Anabela, não se juntaria ao seu séqui to de admiradores, não participaria, não
participaria da concorrência em torno do seu corpo.
O enterro passava perto do átrio da
igreja. Nacib se incorporou ao acompanhamento. Não iria até ao cemitério, não
podia deixar o bar, naquela noite era o jantar da Empresa de Ónibus. Mas o
acompanharia pelo menos uns dois quarteirões, sentia-se obrigado a fazê-lo.
(Click na imagem e aumente)
(Click na imagem e aumente)
<< Home