ISABEL - Rainha Santa
Um dos seus capelães, que era aragonês,
contava-lhe, como se embalasse uma criança, a grande história dos seus avós, os
Manfredos, cúpidos e desditosos. Barbaroxa, truculento e maldito e aquela outra
princesa, Maria de Montepilher que, esposa enjeitada, uma noite se lançou
furtivamente nos aposentos de el-rei, no lugar de certa moça que ali costumava
ficar, e ao cabo de nove meses, contados dia por dia, deu à luz um menino que
foi o herdeiro do ceptro e veio a morrer num mosteiro, amortalhado num saiote
branco de monge.
Mas a Isabel, o que lhe dava gosto, era ouvir
histórias da vida dos santos e passagens da paixão e morte de Jesus Cristo e o
capelão desfiava-lhe a vida e a obra da sua homónima Santa Isabel da Hungria
que ela tomara como modelo de princesa e sua madrinha espiritual para todo o
resto da sua vida.
Assim virtuosa, a desabrochar da
meninice, foi indicada a D. Dinis de Portugal como a esposa que convinha à sua
estirpe e para a perpetuação do reino.
Assinadas as escrituras, meteu-se Isabel
a caminho pelas estradas de Aragão e Castela com uma grande e luxuosa
companhia, de que faziam parte o Bispo de Valença, altos dignitários e
cavaleiros da melhor linhagem.
Lavravam grandes guerras em Espanha
derivadas dos ódios de família e por isso, implacavelmente ferozes mas, como
que protegida por uma legião de anjos, foi Isabel preservada não só dos perigos
como dos enfados, tendo chegado sem novidade à fronteira setentrional
portuguesa, Trás-os-Montes.
Por todo o lado foi bem recebida, com
cantares e arcos de flores e verdura. Atravessou o Douro de barca e, ora em
liteira ora em mula aparelhada com andas para aligeirar a monotonia da jornada,
arribou a Trancoso, onde o real cônjuge a aguardava com o séqui to mais brilhante e donairoso que pudera tirar da
sua corte.
Do lado de fora das muralhas haviam-se
improvisado tendas, um grande arraial de toldos para receber e albergar a nobre
gente espanhola que a acompanhava bem como aos portugueses.
Durante dias a vida medieval retumbou de
festas mas D. Dinis, que era fogoso, tinha pressa em tomar posse da tenra
franguinha e logo no segundo dia, festa de São João Batista, se consorciaram na
Igreja de S. Bartolomeu.
Casada aos onze anos, botão de rosa sem
perfume, não oferecendo ao marido, rapaz na pujança da seiva, natural
doidivanas, mais que uma frágil e inerte graça, valeu à rainha o refúgio do exercício da devoção e caridade, na
esteira da sua madrinha da Hungria
As crónicas do tempo não rezam de que
físico era Isabel mas todos referem que era formosa. Do exame que se fez ao
corpo de Isabel, exumado, séculos decorridos, do seu túmulo de mármore,
verificou-se que era alta e fina de talhe, rosto comprido. As mãos primavam por
finas, os dedos longos e tão branca de tez que nem lírios brancos.
Logo pela manhã rezava matinas e laudes
e ouvia na capela missa cantada por exímias vozes. Acabada a missa lia as horas
canónicas, as da Virgem Maria e o ofício dos defuntos. Celebrava à tarde
vésperas e não se passava dia, recolhida no oratório, que não se entregasse a
leituras pias e à contemplação. Jejuava a pão e água.
Pela Páscoa, mandava em segredo vir ao
Paço treze pobres, dos mais miseráveis e, posta de joelhos, lhes lavava os pés
e servia à mesa. Despedia-os a cada com um folar e uma muda de roupa.
Em tudo, mais parecia uma religiosa do
que uma rainha soberana. Logo, de muito cedo, começou a correr mundo a fama dos
seus milagres.
(continua)
(continua)
<< Home