terça-feira, maio 14, 2013


JUBIABÁ

Episódio Nº 15


 - O que foi que ele fez? – a assistência não se continha mais. Só Zé Camarão sorria como se conhecesse uma história ainda mais impressionante que a do homem de Ilhéus.

 - De noite, Zé Estique veio… saltou do cavalo e em vez de encontrar a mulher encontrou mas foi o gringo atrás de um pau com um machado desta idade. Abriu a cabeça do negro meio a meio. Uma morte desgraçada…

Uma mulher disse:

 - Merecida… Bem feito…

Outra se benzeu amedrontada. E o homem de Ilhéus se demorou contando histórias e mais histórias de mortes e tiros da sua terra heróica. E quando ele foi embora, curado, António Balduíno sentiu a tristeza de quem se separa de uma namorada.

É que nas conversas das noites de lua no Morro do Capa Negro, o moleque António Balduíno ouvia e aprendia. E antes de ter dez anos ele jurou a si mesmo que um dia havia de ser cantado num A B C e as suas aventuras seriam relatadas e ouvidas com admiração por outros homens, em outros morros.


A vida do morro do Capa Negro era difícil e dura. Aqueles homens todos trabalhavam muito, alguns no cais, carregando e descarregando navios, ou conduzindo malas de viajantes, outros em fábricas distantes e em ofícios pobres: sapateiro, alfaiate, barbeiro.

Negras vendiam arroz doce, mungunzá, sarapatel, acarajá, nas ruas tortuosas da cidade, negras lavavam roupa, negras eram cozinheiras em casas ricas de bairros chiques. Muitos dos garotos trabalhavam também.

Eram engraxates, levavam recados, vendiam jornais. Alguns iam para casas bonitas e eram crias de famílias de dinheiro. Os mais se estendiam pelas ladeiras do morro em brigas, brincadeiras. Esses eram os mais novinhos. Já sabiam do seu destino desde cedo: cresceriam e iriam para o cais, onde ficavam curvos sob o peso dos sacos cheios de cacau, ou ganhariam a vida nas fábricas enormes.

E não se revoltavam porque desde há muitos anos vinha sendo assim: os meninos das ruas bonitas e arborizadas iam ser médicos, advogados, engenheiros, comerciantes, homens ricos. E eles iriam ser criados destes homens.

Para isto é que existia o morro e os moradores dos morros. Coisa que o negrinho António Balduíno aprendeu desde cedo no exemplo diário dos maiores. Como nas casas ricas tinha a tradição do tio, pai ou avô, engenheiro célebre, discursador de sucesso, político sagaz, no morro onde morava tanto negro, tanto mulato, havia a tradição da escravidão ao senhor branco e rico.

E essa era a única tradição. Porque a da liberdade nas florestas de África já a haviam esquecido e raros a recordavam e esses raros eram exterminados ou perseguidos.

No morro só Jubiabá a conservava, mas isto António Balduíno ainda não sabia. Raros eram os homens livres do morro: Jubiabá, Zé Camarão. Mas ambos eram perseguidos: um por ser macumbeiro, outro por malandragem.

António Balduíno aprendeu muito nas histórias heróicas que contavam ao povo do morro e esqueceu a tradição de servir.

Resolveu ser do número dos livres, dos que depois teriam A B C e modinhas e serviriam de exemplo aos homens negros, brancos e mulatos, que se escravizavam sem remédio.

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