quinta-feira, maio 23, 2013


JUBIABÁ

Episódio nº 23


A tarde tinha sido sombria, cheia de nuvens negras. Com a noite veio um vento grosso, pesado que apertava os homens no pescoço e assobiava nos becos. Enquanto as luzes não acenderam, o vento dominou a cidade, correu com os moleques pela ladeira, visitou as mulheres do Beco das Flores e do Beco da Maria da Paz, levantou nuvens de pó, invadiu casas e quebrou moringas.

Quando as luzes acenderam caiu uma chuva violenta, um temporal, um temporal como há muito não havia. Os fifós apagavam, não se ouviam vozes nas casas. O morro se fechou nos casebres, Luísa estava se preparando para sair.

António Balduíno matava formigas no canto da sala.

A tia pediu:

 - Ajuda aqui, Balduíno.

Ele ajudou a botar uma lata em cima, que Luísa suspendeu e colocou na cabeça. Passou a mão no rosto de António Balduíno e se dirigiu para a porta.

Antes de abrir a tramela, porem, sacudiu com o tabuleiro e as latas no chão, num gesto de raiva e gritou:

 - Não vou mais…

António Balduíno ficou mudo de espanto.

 - Ah! Ah! Não vou mais, quem quiser que vá. Ah! Ah!

 - O que é, tia?

O mungunzá corria pelos tijolos do chão. Luísa ficou mais calma e em vez de responder começou a contar uma história muito comprida de uma mulher que tinha três filhos, um carpina, o outro pedreiro e o terceiro estivador.

Depois a mulher ia ser freira e ela passou a contar a história dos três filhos. Mas a história não tinha pés nem cabeça. Apesar disto, uma vez, António Balduíno não pôde deixar de rir. Foi quando o carpinteiro perguntou ao Diabo:

 - Cadê seu chifre?

E o Diabo respondia.

 - Dei para seu pai…

Foi quando Luísa estava no melhor da história atrapalhada, olhou para as latas de mungunzá e mingau. Deu um pulo e cantarolou:

“eu não vou mais…
nunca mais…
nunca mais…”

Aí António Balduíno teve medo outra vez e perguntou se ela estava com dor de cabeça. Ela olhou para o sobrinho com um olhar tão estranho que António Balduíno recuou até detrás da mesa.

 - Quem é você? Você quer roubar o meu mingau, moleque. Vou te ensinar.

Correu atrás de Balduíno que se despencou para a rua e só parou na casa de Jubiabá. A porta estava encostada, ele empurrou e foi entrando.

Jubiabá estava lendo um livro quando ele entrou.

 - O que é Balbo?

 - Pai Jubiabá… Pai Jubiabá…

Nem podia falar. Respirou e começou a chorar.

 - O que é meu filho?...

 - Tia Luísa está atacada.

O temporal zunia lá fora. A chuva caía em grandes pingos. Mas Balduíno não ouvia nada, só ouvia a voz da tia a perguntar ele quem era e os seus olhos estranhos, olhos que ele nunca tinha visto em pessoa alguma… E eles foram correndo sob o temporal, a chuva caindo, o vento zunindo. Iam silenciosos.

Quando chegaram a casa já estava cheia de vizinhos. Uma mulher dizia a sinhá Augusta das rendas:

 - Isso é de carregar aquelas latas na cabeça… Eu sei de uma mulher que também enlouqueceu por causa disto…

António Balduíno começou novamente a chorar. Augusta discordava da vizinha:

 - Nada disto, comadre. O que ela tem é espírito e do bom. Vai ver como Jubiabá acaba com isso num instante…

Luísa cantava em voz alta, soltava gargalhadas e estava com Zé Camarão que apoiava tudo quanto ela dizia. Jubiabá se aproximou e começou a rezar Luísa.

Levaram António Balduíno para a casa de Augusta. Mas ele não dormiu e em meio ao temporal, ao ruído do vento e da chuva, ouvia os gritos e as gargalhadas da sua tia. E soluçava alto.


Site Meter