Episódio nº 23
A tarde tinha sido
sombria, cheia de nuvens negras. Com a noite veio um vento grosso, pesado que
apertava os homens no pescoço e assobiava nos becos. Enquanto as luzes não
acenderam, o vento dominou a cidade, correu com os moleques pela ladeira,
visitou as mulheres do Beco das Flores e do Beco da Maria da Paz, levantou
nuvens de pó, invadiu casas e quebrou moringas.
Quando as luzes acenderam
caiu uma chuva violenta, um temporal, um temporal como há muito não havia. Os
fifós apagavam, não se ouviam vozes nas casas. O morro se fechou nos casebres,
Luísa estava se preparando para sair.
António Balduíno matava
formigas no canto da sala.
A tia pediu:
- Ajuda aqui ,
Balduíno.
Ele ajudou a botar uma
lata em cima, que Luísa suspendeu e colocou na cabeça. Passou a mão no rosto de
António Balduíno e se dirigiu para a porta.
Antes de abrir a tramela,
porem, sacudiu com o tabuleiro e as latas no chão, num gesto de raiva e gritou:
- Não vou mais…
António Balduíno ficou
mudo de espanto.
- Ah! Ah! Não vou mais, quem qui ser que vá. Ah! Ah!
- O que é, tia?
O mungunzá corria pelos
tijolos do chão. Luísa ficou mais calma e em vez de responder começou a contar
uma história muito comprida de uma mulher que tinha três filhos, um carpina, o
outro pedreiro e o terceiro estivador.
Depois a mulher ia ser
freira e ela passou a contar a história dos três filhos. Mas a história não
tinha pés nem cabeça. Apesar disto, uma vez, António Balduíno não pôde deixar
de rir. Foi quando o carpinteiro perguntou ao Diabo:
- Cadê seu chifre?
E o Diabo respondia.
- Dei para seu pai…
Foi quando Luísa estava no
melhor da história atrapalhada, olhou para as latas de mungunzá e mingau. Deu
um pulo e cantarolou:
“eu não vou mais…
nunca mais…
nunca mais…”
Aí António Balduíno teve
medo outra vez e perguntou se ela estava com dor de cabeça. Ela olhou para o
sobrinho com um olhar tão estranho que António Balduíno recuou até detrás da
mesa.
- Quem é você? Você quer roubar o meu mingau,
moleque. Vou te ensinar.
Correu atrás de Balduíno
que se despencou para a rua e só parou na casa de Jubiabá. A porta estava
encostada, ele empurrou e foi entrando.
Jubiabá estava lendo um
livro quando ele entrou.
- O que é Balbo?
- Pai Jubiabá… Pai Jubiabá…
Nem podia falar. Respirou
e começou a chorar.
- O que é meu filho?...
- Tia Luísa está atacada.
O temporal zunia lá fora.
A chuva caía em grandes pingos. Mas Balduíno não ouvia nada, só ouvia a voz da
tia a perguntar ele quem era e os seus olhos estranhos, olhos que ele nunca
tinha visto em pessoa alguma… E eles foram correndo sob o temporal, a chuva
caindo, o vento zunindo. Iam silenciosos.
Quando chegaram a casa já
estava cheia de vizinhos. Uma mulher dizia a sinhá Augusta das rendas:
- Isso é de carregar aquelas latas na cabeça…
Eu sei de uma mulher que também enlouqueceu por causa disto…
António Balduíno começou
novamente a chorar. Augusta discordava da vizinha:
- Nada disto, comadre. O que ela tem é
espírito e do bom. Vai ver como Jubiabá acaba com isso num instante…
Luísa cantava em voz alta,
soltava gargalhadas e estava com Zé Camarão que apoiava tudo quanto ela dizia.
Jubiabá se aproximou e começou a rezar Luísa.
Levaram António Balduíno
para a casa de Augusta. Mas ele não dormiu e em meio ao temporal, ao ruído do
vento e da chuva, ouvia os gritos e as gargalhadas da sua tia. E soluçava alto.
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