Episódio Nº 7
Os homens paravam para
cumprimentar:
- Bom dia, pai Jubiabá…
- Nosso Senhor dê bom dia…
Ia passando e abençoando.
Até o espanhol da venda baixava a cabeça e recolhia a bênção. Os garotos
desapareciam da rua quando viam o vulto centenário do feiticeiro. Diziam
baixinho:
- Jubiabá vem aí…
E disparavam na carreira
para se esconderem nas casas.
Jubiabá trazia sempre um
ramo de folhas que o vento balançava e resmungava palavras em nagô. Vinha pela rua
falando sozinho, abençoando, arrastando a calça velha de casimira em cima da
qual o camisu bordado se oferecia ao capricho do vento como uma bandeira.
Quando Jubiabá entrava
para rezar à velha Luísa, António Balduíno corria para a rua. Mas já sabia que
a dor de cabeça da velha passaria.
António Balduíno não sabia
o que pensar de Jubiabá. Respeitava-o mas com um respeito diferente do que
tinha pelo padre Silvino, por sua tia Luísa, pelo Lourenço da venda, por Zé
camarão ou mesmo pelas figuras lendárias de Virgulino Lampeão e Eddie Polo.
Jubiabá passava encolhido
pelos becos do morro, os homens o ouviam com respeito, recebia cumprimento de
todos e em sua porta paravam, de vez enquanto, automóveis de luxo. Um dia
menino disse a Balduíno que Jubiabá virava lobisomem. Outro afirmou que ele
tinha o diabo preso numa garrafa.
Da casa de Jubiabá vinham
em certas noites sons estranhos de estranha música. António Balduíno se remexia
na esteira, ficava inqui eto, parecia
que aquela música o chamava.
Batuque, sons de danças,
vozes diferentes e misteriosas. Luísa lá estava com certeza com sua saia de
chita vermelha e de anágua. António Balduíno nestas noites não dormia.
Na sua infância sadia e
solta, Jubiabá era um mistério.
Eram bem gostosas as
noites do Morro do Capa Negra. Nelas o moleque António Balduíno aprendeu na sua
infância muita coisa e principalmente muita história.
Histórias que homens e
mulheres contavam reunidos em frente à porta dos vizinhos, nas longas conversas
das noites de lua. Nas noites de domingo, quando não havia macumba na casa de
Jubiabá, muitos se reuniam no passeio da velha Luísa, que como era dia
santificado não ia vender o seu mingau.
Nas outras portas outros
grupos conversavam, tocavam viola, cantavam, bebiam um gole de cachaça que
sempre havia para os vizinhos, mas nenhum era tão grande como o que se reunia
em frente da porta da velha Luísa.
Até Jubiabá aparecia em
certos dias e também contava velhos casos passados há muitos anos e misturava
tudo com palavras em nagô, dava conselhos e dizia conceitos.
Ele era como que o
patriarca daquele grupo de negros e mulatos que moravam no Morro do Capa Negra,
em casas de sopapo cobertas de zinco. Quando ele falava, todos o escutavam
atentamente e aplaudiam com a cabeça num respeito mudo.
Nessas noites de
conversas, António Balduíno, abandonava os companheiros de corridas e de
brincadeiras e se postava a ouvir. Dava a vida por uma história, e melhor ainda
se essa história fosse em verso.
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