DOMINGO
(13 de Outubro na minha cidade de Santarém)
Os meus concidadãos, especialmente os
mais velhos e avisados, perceberam logo quando o primeiro-ministro José
Sócrates anunciou o pedido de ajuda financeira em Abril de 2011, que vinha lá
borrasca mas dois anos e meio depois desse anúncio as coisas estão ainda numa
grande indefinição quanto à gravidade das consequências.
Mergulhámos numa crise com uma terapia
dita de choque castigadora dos doentes que só fizeram asneiras enquanto sãos e
por isso ficaram assim, como estão…
Lembram-se ainda, com certeza, daquele
“especialista” que se expressava de uma maneira esqui sita,
imitando os sábios, chamado à última hora da Europa e à qual já regressou
confessando-se falhado na sua missão, que falou até em remédios “brutais”
fazendo jus à sua muita sabedoria, nesse aspecto…
Outros, para levantarem a moral do
doente, disseram que não, bastava eliminar as “gorduras”… Ora, eliminar
gorduras é connosco preocupados que somos com a nossa elegância… até podíamos dispensar
a ida aos ginásio e fazer aí uma pequena poupança.
O pior é que poucos meses depois do novo
governo entrar em funções, e ao contrário do que nos tinha dito o futuro 1º
Ministro meses antes, levaram logo, à laia de gordura, metade do Subsídio de Natal
e ficámos todos a perceber do que é que se tratava…
Mas deixemos por um pouco as coisas do
Estado que, historicamente, neste país não é coisa pouca. Para mim, digam os
nossos “médicos” o que disserem, retóricas e truques falhados de ilusionismo à parte, o último dos quais protagonizado pelo ministro Paulo Portas - useiro e
vezeiro - e a ministra das finanças,
Maria de Lourdes Albuquerque, senão for o doente a curar-se a si próprio pouco
mais lhe poderá valer.
Há séculos que os meus concidadãos são excelentes
a improvisar, a inovar e a procurar mundo e o nosso tecido económico nestes últimos tempos tem
sido um bom exemplo disso.
A nossa extraordinária flexibilidade e
adaptação é a base da nossa sobrevivência e até surpreende aqueles
especialistas que de fora vão acompanhando a situação.
Vejam só:
-
O nosso deficit comercial, a diferença entre o que compramos e vendemos, que no
início de 2010 era de 9% do PIB atingiu o equi líbrio
em meados de 2012 e tem vindo a reforçar-se;
-
A tradicional válvula de escape que é a imigração voltou a funcionar e em cada
um destes dois últimos anos saíram do país cem mil pessoas;
-
Com menos dinheiro, e de uma forma quase inexplicável, a taxa de poupança dos
meus concidadãos mais que duplicou, de 5,6 % do rendimento disponível em 2008
para 13,3% a meio do corrente ano.
É claro que aqueles que não acreditam em
nós vêm logo dizer:
-
É pá, isso é o resultado da crise…
É verdade que há aqui
uma componente da crise mas outros países em situações idênticas não
conseguiram resultados tão rápidos e não venha o governo apossar-se do mérito
destes sucessos porque eles têm a ver com uma antiga e espantosa capacidade de
adaptação dos portugueses.
Também é verdade que há forças de
oposição cá dentro contra as quais eles têm que lutar mas a verdade é que
sempre as houve pelo que já temos aqui algum
treino adqui rido.
E vamos ser claros, de tudo o mais grave
são grandes empresas e os poderosos interesses económicos próximos do Estado -
e lá vem o Estado outra vez pelas más razões, ele, que devia vir pelas boas - que se aproveitam e distorcem a seu favor o
ajustamento que estamos a fazer e, enquanto as pequenas e médias empresas
ajustaram rapidamente, como já vimos nos indicadores, as grandes empresas
protegem-se graças às boas relações que têm com o poder político.
Bancos, construtoras, comunicações,
energia, outros serviços básicos e alguns grupos económicos mantêm
artificialmente negócios e investimentos insustentáveis.
O capitalismo de compadres, enraizado
entre nós, sempre teve muita força e constitui mais uma vez, nesta situação
difícil, uma ameaça nacional como se o risco do negócio estivesse apenas
reservado para os pequenos e médios empresários.
Vamos ver como será agora num momento em
que nos despojamos dos anéis e nos preparamos para ser pouco mais do que um Condomínio
Económico dos estrangeiros… mas eu não espero dessa gente, sinceramente, grande
coisa.
Eles são incapazes de qualquer
contributo que sirva de estímulo, de exemplo, de encorajamento aos seus
concidadãos menos afortunados.
Eles são de outra raça… de outro país…
de outra linhagem… de outro tipo de gente que sempre viveu afundada em
privilégios, de costas voltadas para sacrifícios, para necessidades, numa
espécie de corporativismo dos ricos e bem nascidos.
Vejam, por exemplo, o nosso actual Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Antes de
aceitar o “patriótico” desafio de ser Ministro, em Setembro de 2013,
“despediu-se” de Presidente da Assembleia Geral, Conselho Fiscal, Vogal,
Director, Sócio Gerente, etc… de 33 empresas, repito, trinta e três empresas!
Admitindo
mesmo que este senhor desempenhava gratuitamente todas estas funções, já
perceberam o que elas representam em termos de prestígio, poder e influência
concentrados numa única pessoa e o que isso revela sobre a permeabilidade entre
o poder político e o económico?
Que fez ele pelo país, para além de se
arrastar pelas cadeiras do poder há mais de trinta anos - vinte e cinco deles à frente da Fundação Luso Americana, desde a sua criação - para merecer tantas
cargos e funções e agora o lugar de Ministro dos Negócios Estrangeiros quando
deveria estar a cuidar dos netos ou bisnetos?
Podíamos referir ainda a constituição do
Conselho Geral e de Supervisão da EDP, recentemente vendida aos chineses e no
qual, o Sr. Eduardo Catroga é Presidente, com o vencimento de 45.000 euros (ele
diz, no seu ar bonacheirão, que grande parte vai para o Estado sob a forma de
impostos) acompanhado de mais 20 personalidades, 20, todas do arco da
governação, todos eles ex-governantes…
Os portugueses sabem de todas estas
situações porque elas circulam pela Internet e toda a gente, hoje em dia, envia
mails a toda a gente… e num processo de empobrecimento que sempre me pareceu
inevitável, os portugueses sentem-se interiormente revoltados porque há um
grupo de pessoas, a tal elite, sempre os mesmos, que circulam e acumulam
lugares de poder.
Portugal é o país de mais fortes desigualdades sociais na Europa da Comunidade e é evidente que o Estado, com a sua função redistribuidora da riqueza através dos impostos, tem aqui especiais responsabilidades.
Sacrifícios, já todos percebemos que não lhes conseguimos fugir. Fomos levados numa teia de acontecimentos a uma escala que nos ultrapassou: a crise financeira do sub prime nos E.U., a contaminação à banca europeia e portuguesa, os casos de polícia do BPN e do BPP, as orientações políticas da Comunidade Europeia, o excesso de despesa geradora de dívida externa por parte do governo e dos próprios particulares atraídos e aliciados por uma banca sedenta de lucros, enfim... uma boa aventura a da nossa entrada na Comunidade Europeia e na Zona Euro num mundo globalizado mas uma aventura de riscos que os políticos, os nossos e os da Europa, se encarregaram de potenciar.
Aceitamos os sacrifícios mas este agravamento e nível de desigualdades sociais, não. As injustiças doem no espírito e não são boas conselheiras especialmente quando o estômago protesta de fome.
O governo tem que ser corajoso contra os privilégios, dar sinais e tomar medidas que levem todos a colaborar obrigatoriamente nesta difícil situação. Salvaguardar a paz social é o nosso mais precioso objectivo. Sem ela, nada se consegue, rói tudo como um castelo de cartas.
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