Bala não leva endereço.... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 191
Porém nem mesmo estes
sabem de tudo. Eles não sabem que desde o dia do comício o Gordo carrega aquela
pretinha certo de que de um momento para o outro Deus se lembrará dela,
mostrará que é bom e a colocará em pé, a brincar com as outras crianças na
Baixa do Sapateiro.
Nesse dia o Gordo deixará
de repetir a sua pergunta, baixará as mãos e os seus olhos não serão mais
tristes.
Mas se ele soubesse que
ela tinha morrido, que o seu caixão pobre tinha sido enterrado há muito, então,
ele morreria também, porque até o olho da piedade de Deus que é do tamanho de
Deus teria secado.
Então ele não acreditaria
mais e morreria desgraçado. Por isso é que vai ainda assim como um louco manso,
de braços estendidos, aconchegando ao peito o corpinho magro da criança negra
que morreu no comício.
Não importa que os homens
não vejam o pequeno corpo baleado. Ele pesa nos braços do Gordo e ele sente a
sua quentura quando o encosta ao coração.
SEGUNDA NOITE DE GREVE
A cidade perdera aquele
tom festivo. Desde o primeiro tiroteio que os boatos invadiram a cidade e aos
poucos o movimento das ruas foi diminuindo.
As marinetis corriam mas
levavam raros passageiros e estes, assim mesmo se recolhiam a casa medrosos de
brigas, de balas perdidas.
- Bala não leva endereço…
Dentro das casas, o
ambiente entre as famílias era de quase terror. O encontro entre padeiros
grevistas e a polícia na Baixa dos Sapateiros assumia proporções tremendas.
Davam dezoito mortos,
dezenas de feridos. Corria que os sindicatos iam ser atacados e os grevistas
dissolvidos à bala.
As senhoras tremiam e
passavam trancas nas portas enquanto acendiam as velas e os candeeiros dentro
de casa. A cidade estava intranqui la.
Faltou o jantar na casa de
Clóvis. Ele ficou de trazer qualquer coisa da cidade e Helena esperou toda a
tarde. Ele não apareceu.
Corriam os boatos mais
desencontrados. Quando ela soube do tiroteio na Baixa dos Sapateiros correu à
rua. Mas foi informada de que Clóvis não estava no momento do barulho, tinha
sido do grupo que fora fechar a panificação do Corredor da Vitória.
Voltou mais descansada e
continuou a esperar o marido. Os filhos eram três, corriam pela porta,
brincando de picula.
Que iria dar às crianças
para comer? O fogão parado esperava inútil na cozinha. Não havia nada. Até a
farinha terminara naquele dia. Já para o almoço pedira comida às vizinhas e prometera
pagar quando o marido voltasse, porque as pobres também precisavam, pois os
homens que moravam naquele beco ou eram empregados de padaria ou estivadores e
andavam em greve.
Helena estava
envergonhada. Que faria das crianças? Mandaria pedir mais comida? Eles estavam
em greve e os homens diziam que era necessário que uns ajudassem os outros.
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