MARINHEIROS
Episódio Nº 6
Onde se trata de aposentados e retirados dos negócios, com mulheres na praia e na cama, donzelas em fuga, ruína e suicídio, e um cachimbo de espuma-do-mar.
Um clima propiciatório, feito de
tragédia e de mistério, antecedera o memorável dia do desembarque do
comandante, como se o destino estivesse preparando a população para os
acontecimentos a vir. Só de raro em raro um fato inesperado rompe a monotonia
dessa vida suburbana.
Isso de Março a Novembro, porque nos
três meses de férias, Dezembro, Janeiro, Fevereiro, todos esses arrabaldes da
Leste Brasileiro, dos quais Periperi é o maior, o mais populoso e o mais belo,
enchem-se de veraneantes.
Muitas das melhores residências ficam fechadas durante
quase todo o ano, pertencem a famílias da cidade, abrem-se apenas no verão.
Aí então anima-se Periperi, invadido de
repente por uma juventude álacre: rapazes a jogar futebol na praia, moças de
Maio estendidas ao sol na areia, barcos a cruzar as águas, passeios,
piqueniques, festinhas, namoros sob as árvores da praça ou na sombra dos
rochedos.
Das recordações desses três meses, dos
comentários sobre histórias e fatos do último veraneio, vive a população
estável os nove meses seguintes. Rememorando namoros, festas, brigas entre jovens
atletas apaixonados e ciumentos, a ameaça de afogamento de uma criança, bailes
de aniversário, bebedeiras a perturbar o silêncio da noite.
A população estável (se exceptuarmos
pescadores e uns poucos comerciantes - donos da única padaria, de uns dois
bares, de outros tantos armazéns de secos e molhados, da farmácia - alguns
funcionários da Leste Brasileiro nas casas ao lado da Estação) é formada de
aposentados e retirados dos negócios com suas respectivas famílias, quase
sempre apenas a esposa e, por vezes, uma irmã solteirona.
Alguns desses idosos personagens afirmam
preferir Periperi no seu pacato quotidiano de antes e depois do verão, mas, em
verdade, todos eles terminam por envolver-se, de uma ou de outra maneira, na
turbulenta agitação do veraneio.
Quando não seja, para espiar, com olhos
compridos e cobiçosos, os corpos femininos seminus na praia - cada pedaço de
mulher! - ou para comentar acidamente os casais de namorados nos cantos
escuros.
Seu Adriano Meira, retirado do negócio
de ferragens, todas as noites, durante o verão, sai depois das nove horas, com
uma lanterna eléctrica, para, como ele diz, “passar em revista os namorados,
ver se estão trabalhando bem”.
Estabeleceu um roteiro completo dos
becos, rochedos e pedras, fundos de qui ntal,
portões e esqui nas, onde os
namorados buscam a solidão propícia ao amor. No dia seguinte, fornece seu
Adriano um relatório circunstanciado e picaresco. Os velhos aposentados
esfregam as mãos, os olhos brilham.
Tudo isso serve não apenas durante os
meses de verão. Cada facto é recordado depois, longamente analisado e
decomposto, quando os veraneantes partiram e a paz do mundo desceu sobre
Periperi, quando o tempo é longo de passar, e a lanterna de seu Adriano ilumina
apenas, nos cantos escuros, as carraspanas de Caco Podre ou encontros de
cozinheiras e pescadores.
Existem os verões excepcionais. Não pela
beleza dos dias, pelo esplendor maior dos verdes e azuis nas árvores e nas
águas, pelas noites de brisa mais fresca e estrelas mais numerosas.
Tais coisas importam pouco aos aposentados e retirados dos negócios. Excepcionais são aqueles verões nos quais se regista um bom escândalo, um verdadeiro e ruidoso escândalo, prato capaz de alimentar sozinho as conversas dos meses mortos. Mas sucede tão de longeem longe.
Uma tristeza!
Tais coisas importam pouco aos aposentados e retirados dos negócios. Excepcionais são aqueles verões nos quais se regista um bom escândalo, um verdadeiro e ruidoso escândalo, prato capaz de alimentar sozinho as conversas dos meses mortos. Mas sucede tão de longe
Pois bem: o veraneio precedente à
chegada do comandante foi de prodigalidade nunca vista. Dois escândalos, um
logo nos começos de Janeiro, outro após o carnaval, com trágico desfecho,
deram-lhe um lugar à parte no calendário suburbano.
Não se pode estabelecer, de boa-fé,
ligação propriamente dita entre o caso do Tenente-Coronel Ananias Miranda, da
Polícia Militar, e o do Comandante Vasco Moscoso de Aragão. Mas há uma
tendência geral a ligar os dois factos, como se as desditas de Ananias fossem
uma espécie de prólogo às aventuras de Vasco.
Não merecesse a voz do povo o respeito
dos historiadores e nem valeria a pena relatar aqui
esse incruento escândalo de Janeiro. Se bem existam sempre, em cada facto,
lições a aprender. Assim, nos ruidosos - e velozes - sucessos a envolver o
tenente-coronel, sua esposa Ruth e o jovem terceiranista de Direito Arlindo
Paiva, encontraremos no mínimo dois ensinamentos valiosos.
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