Não quis juntar-se a outra roda, ingressar noutra turma. |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 65
Continuou, porém, a ir ao porto ver a
entrada dos navios, admirar-lhes a beleza, reconhecer-lhes as bandeiras; a adqui rir, onde encontrasse, objectos náuticos e
estampas de barcos; a sair todas as noites com Jerónimo e o coronel, a jogar
seu poker e a enrabichar-se por novas mulheres.
Tinha nesse então pouco mais de quarenta
anos e todo mundo já se habituara a tratá-lo de comandante.
Aproximava-se o Governador do fim do
mandato e era um fim melancólico, pois o Presidente da República, levado por
outras personalidades do partido, vetara o nome de seu candidato à sucessão,
impusera-lhe um outro e quase lhe sonega a cadeira de senador, tradicionalmente
reservada aos governadores cujos mandatos terminavam.
Conseguiu a cadeira, mas foram-se pelos
ares a deputação de Jerónimo e sua carreira política. Arranjaram-lhe um lugar
no Ministério da Justiça, no Rio, procurador ou qualquer coisa equi valente. Não era mau, mas seus planos políticos
goraram.
Com a mudança de governo, partiu também
Pedro de Alencar, veio comandar o 19º Batalhão de Caçadores um outro coronel,
amigo do novo Chefe de Estado.
Vasco nem chegou a ser-lhe apresentado,
era homem fiel a seus amigos, à recordação da roda famosa, desapareceu do Palácio,
das recepções e festas da sociedade.
Ainda participava dos desfiles do 2 de
Julho e do 7 de Setembro, com suas fardas de gala, mas distante da gente do
governo, misturado com o povo.
Não qui s
juntar-se a outra roda, ingressar noutra turma. Quem pertencera, como ele, à
suprema elite da cidade, não podia misturar-se novamente com comerciantes,
empregados do comércio ou mesmo médicos e advogados jovens.
Ocupava, nas pensões e cabarés, mesas
solitárias e o champanhe começou a ter, em sua boca, um gosto amargo de
saudade.
E, um dia, Carol vendeu a Pensão Monte
Carlo a um cáften argentino, sujeito cabuloso, comercial e desagradável. Vasco
foi embarcá-la, ela regressava a Garanhuns, onde lhe morrera o cunhado e a irmã
necessitava de auxílio e companhia.
Recordaram no cais as grandes noites e
os amigos: Jerónimo, de quem ela fora amante; o belo Tenente Lídio Marinho,
agora capitão servindo em
Porto Alegre ; o Coronel Pedro de Alencar, impávido bebedor; e
aquele inesquecível Comandante Georges Dias Nadreau, com seu ar de estrangeiro,
doido por uma negrinha, divertido como ele só.
Tudo aqui lo
terminara para Carol. Ia agora ajudar a criar sobrinhos e sobrinhas,
respeitável senhora, viúva rica na pacata cidade onde nascera. Beijou Vasco nas
duas faces, os olhos molhados de lágrimas:
- Você se lembra do rapto de Dorothy?
Por onde andaria Dorothy? Um coronel do
interior apaixonara-se por seus olhos inqui etos,
era viúvo, levou-a para a fazenda. Vasco dormira com ela na véspera da partida,
noite de loucura como se o antigo xodó, a paixão alucinada, houvesse renascido
com a mesma força de antes.
Nunca mais souberam notícias, se ficara
ou não com o fazendeiro. Mas no braço direito de Vasco permaneciam tatuados o
nome de Dorothy e um coração.
- Te lembras do chinês das tatuagens?
Tanta recordação, tanta coisa a lembrar
no caminho do cais. O navio levantou âncora para Recife, Carol, gorda e
chorosa, acenava com um lenço.
“Um marinheiro não se dobra à tristeza”,
mesmo quando órfão abandonado, no cais deserto da cidade.
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