segunda-feira, abril 28, 2014

Não quis juntar-se a outra roda, ingressar noutra turma.
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 65











Continuou, porém, a ir ao porto ver a entrada dos navios, admirar-lhes a beleza, reconhecer-lhes as bandeiras; a adquirir, onde encontrasse, objectos náuticos e estampas de barcos; a sair todas as noites com Jerónimo e o coronel, a jogar seu poker e a enrabichar-se por novas mulheres.

Tinha nesse então pouco mais de quarenta anos e todo mundo já se habituara a tratá-lo de comandante.

Aproximava-se o Governador do fim do mandato e era um fim melancólico, pois o Presidente da República, levado por outras personalidades do partido, vetara o nome de seu candidato à sucessão, impusera-lhe um outro e quase lhe sonega a cadeira de senador, tradicionalmente reservada aos governadores cujos mandatos terminavam.

Conseguiu a cadeira, mas foram-se pelos ares a deputação de Jerónimo e sua carreira política. Arranjaram-lhe um lugar no Ministério da Justiça, no Rio, procurador ou qualquer coisa equivalente. Não era mau, mas seus planos políticos goraram.

Com a mudança de governo, partiu também Pedro de Alencar, veio comandar o 19º Batalhão de Caçadores um outro coronel, amigo do novo Chefe de Estado.

Vasco nem chegou a ser-lhe apresentado, era homem fiel a seus amigos, à recordação da roda famosa, desapareceu do Palácio, das recepções e festas da sociedade.

Ainda participava dos desfiles do 2 de Julho e do 7 de Setembro, com suas fardas de gala, mas distante da gente do governo, misturado com o povo.

Não quis juntar-se a outra roda, ingressar noutra turma. Quem pertencera, como ele, à suprema elite da cidade, não podia misturar-se novamente com comerciantes, empregados do comércio ou mesmo médicos e advogados jovens.

Ocupava, nas pensões e cabarés, mesas solitárias e o champanhe começou a ter, em sua boca, um gosto amargo de saudade.

E, um dia, Carol vendeu a Pensão Monte Carlo a um cáften argentino, sujeito cabuloso, comercial e desagradável. Vasco foi embarcá-la, ela regressava a Garanhuns, onde lhe morrera o cunhado e a irmã necessitava de auxílio e companhia.

Recordaram no cais as grandes noites e os amigos: Jerónimo, de quem ela fora amante; o belo Tenente Lídio Marinho, agora capitão servindo em Porto Alegre; o Coronel Pedro de Alencar, impávido bebedor; e aquele inesquecível Comandante Georges Dias Nadreau, com seu ar de estrangeiro, doido por uma negrinha, divertido como ele só.

Tudo aquilo terminara para Carol. Ia agora ajudar a criar sobrinhos e sobrinhas, respeitável senhora, viúva rica na pacata cidade onde nascera. Beijou Vasco nas duas faces, os olhos molhados de lágrimas:
- Você se lembra do rapto de Dorothy?

Por onde andaria Dorothy? Um coronel do interior apaixonara-se por seus olhos inquietos, era viúvo, levou-a para a fazenda. Vasco dormira com ela na véspera da partida, noite de loucura como se o antigo xodó, a paixão alucinada, houvesse renascido com a mesma força de antes.

Nunca mais souberam notícias, se ficara ou não com o fazendeiro. Mas no braço direito de Vasco permaneciam tatuados o nome de Dorothy e um coração.

- Te lembras do chinês das tatuagens?

Tanta recordação, tanta coisa a lembrar no caminho do cais. O navio levantou âncora para Recife, Carol, gorda e chorosa, acenava com um lenço.

“Um marinheiro não se dobra à tristeza”, mesmo quando órfão abandonado, no cais deserto da cidade.


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