sábado, abril 12, 2014

Por ora, Vasco Moscoso de Aragão tinha Dorothy
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio nº 53










Fora difícil convencê-lo a abandonar a ideia do “rapto das Sabinas”, Madame Lulu subindo a Ladeira da Montanha para a Praça do Teatro, carregada de correntes, escrava à disposição de Carol.

Estava eufórico o capitão dos portos, acabara para sempre, assim pensava, com a causa daquela expressão de tristeza a ensombrar o rosto leal de Vasco Moscoso de Aragão. Já agora podia o comerciante usufruir, sem qualquer resquício de melancolia, dos bens com que lhe cumularam a Providência e o avô: a fortuna, a condição de solteiro, a sorte no jogo. o charme para as mulheres, a inata simpatia.

- Daria minha patente por sua sorte no poker... - afirmou o comandante.

- E eu lhe daria a minha por sua sorte com as mulheres... -  suspirou o coronel.

- Eu trocaria, de olhos fechados, meu diploma de advogado por uma quinta parte de suas quotas na firma... - riu o Dr. Jerónimo, acrescentando: - E de lambujem lhe daria minha futura cadeira de deputado.

- Mesmo a cadeira de deputado, bem? - admirou-se Carol, conhecedora das ambições do jornalista.

- De que valem títulos e patentes, Carolita, ao lado do dinheiro? Tendo dinheiro, pode-se ter tudo quanto se quiser: patentes, diplomas, deputação e senatoria, a mulher mais formosa. Com o dinheiro compra-se tudo, filha minha.

Por ora, Vasco Moscoso de Aragão tinha Dorothy na réstia de luar, no perfume do mar, na canção das ondas, embalada pelos ventos, morrendo em suspiros, revivendo em ais de amor, a face de febre, devoradora boca, indecifrável rosa de obscuro azul.

Quando as forças faltaram, no derradeiro embate, e ela dormiu, Vasco estendeu-se cansado e agradecido, e sonhou, os olhos abertos, a boca a sorrir, ouvindo ao longe o apito de um navio: na noite de tempestade salvava o navio em perigo, trazia-o para o porto batido de chuva, onde, transida e ansiosa, Dorothy esperava pelo amante, o Comandante Vasco Moscoso de Aragão.


De como, em farra monumental, Vasco chora no ombro de Georges e do resultado dessas confidencias


Passaram-se os meses, Roberto viajou para o Rio e de lá regressou trazendo na bagagem uma índia peruana conformada e quieta; Lídio Marinho teve quatro ou cinco novos casos nas pensões e castelos, inclusive com Mimi a quem revelou o mistério do rapto e dos bandidos mascarados; o Desembargador Rufino morreu num prostíbulo, escandalizando a cidade.

Apesar das promessas feitas a Carol, não mais voltara à Pensão Monte Cario, horrorizado ante a perspectiva de outro assalto. Passara a frequentar castelos mais resguardados, morrera no de Laura, onde descobrira uma certa Aríete de quinze anos incompletos.

Á pobre menina, ao ver o velho em cima dela no estertor da morte, pôs a boca no mundo, a chorar e a berrar, atraindo a vizinhança toda, inclusive um guarda-civil ocupado a jogar no becho, nas proximidades.

Tornou-se assim o acontecimento conhecido do público, reuniu-se verdadeira multidão de curiosos em frente ao castelo, na Ladeira São Miguel, na hora do transporte do corpo. Piadas irreverentes provocavam gargalhadas, o filho deputado do falecido era apontado a dedo.

Aríete e Laura tinham sido levadas à polícia onde sofreram vexames de toda espécie. O guarda-Civil foi o único a tirar certo partido do escandaloso fato: voltara a jogar no bicho, arriscando 500 réis no milhar 7.015, junção das idades do defunto e de Aríete.

Palpite inteligente e feliz: o jogo do bicho exige perspicácia, atenta vigilância em torno das forças do destino, capacidade para extrair as lições (e os palpites) dos acontecimentos.


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