O senhor é o Comandante |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 86
Sem querer confessar a si mesmo o íntimo
desejo de frequentar a agradável companhia das rameiras: guardava dos seus
tempos de moço, dos castelos e pensões de Salvador, das aventuras em esconsos
portos perdidos do Pacífico, amável e grata recordação das mulheres da vida.
Com elas sabia conversar, não lhe
custava trabalho a prosa, não precisava medir as palavras como era obrigado a
fazer com as passageiras de primeira, moças e senhoras de representação, algumas
de nariz torcido.
Concluiu ser o navio um mundo em
miniatura, onde havia de tudo, desde os homens ricos e poderosos, os políticos
e os banqueiros, até as pobres mulheres cujo negócio é a sua graça, cujos
instrumentos de trabalho são sua sedução e seu corpo.
E
ele o indiscutido rei daquele mundo, o comandante, a maior autoridade a bordo,
sem contestação, sem limitações a seu poder.
Naquela mesma manhã, ao subir à ponte
antes do almoço, arriscara um comentário craco, conversando com o comissário,
em relação ao jantar da véspera. Aquela sopa, aquele peixe, tivesse paciência o
comissário, não eram pratos a serem servidos com mar encapelado.
Nos grandes navios estrangeiros,
tomava-se muito cuidado com esses detalhes. O imediato, que assistia à
conversa, deu-lhe inteiro apoio, com insistência e veemência até exageradas
para assunto tão secundário:
- Mas o senhor tem toda razão,
Comandante. É uma falha lamentável, não deve ser repetida. É o que eu sempre
digo: nada tão importante num barco quanto um comandante capaz.
- Não é que eu queira me meter... Mas o
senador, por exemplo, o pobre quase não provou da comida.
O comissário ouvira de cenho franzido,
mas ante a firme posição do imediato, mudou de atitude, tornou-se humilde e
desculpou-se:
- Realmente, Comandante, esqueci-me de
consultar o serviço meteorológico, antes de estabelecer o menu. Não voltará a
acontecer. Aliás, o melhor é, de agora em diante, sujeitar o cardápio à sua
aprovação.
- Sim, isso é o melhor... - apoiou o
imediato.
- Não, senhores, não é preciso. De jeito
nenhum. Eu, repito, não quero envolver-me em nada, estou aqui apenas...
- O senhor é o Comandante.
Gostara daqui lo,
sobretudo da impecável atitude do imediato, rapaz simpático aquele Geir Matos,
recomendá-lo-ia à Costeira ao fazer o relatório da viagem.
Em tão poucas horas de travessia e
convivência, já sua popularidade afirmava-se entre os passageiros. Conversava
com uns e com outros, informava sobre a velocidade do navio - treze milhas
horárias, milhas marítimas, é claro - a hora da chegada em Recife, a da
partida, fazia-se modesto quando lhe recordavam os feitos marítimos e
perguntavam o motivo da condecoração.
Modesto, não porém rogado.
Assim, pela tarde, viu-se rodeado, na
sala de estar, de enorme grupo a beber-lhe o saboroso relato de suas aventuras.
Contou primeiro de uma tempestade no Mar de Bengala, num barco cargueiro de
bandeira inglesa e tripulação quase toda hindu. Iam de Calcutá para Akyab, nas
costas da Birmânia.
Aquela é uma rota sempre perigosa,
batida pelas monções, perturbada pelas correntes marítimas. No entanto nunca
vira, nas inúmeras vezes que atravessara aquele mar incerto, tal fúria dos
elementos.
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