Lá vai o comandante comboiando a sua baqueana... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 104
“Deixa passar uns dias”, é fácil de dizer- Pedro Torresmo, quando me encontra na rua, olha-me atravessado e ameaçador. A mãe anunciou aos vizinhos sua decisão de correr-me a vassouradas se eu puser os pés no Beco das Três Borboletas. Como voltar a vê-la?
Aqui
estou sem mulher, as noites longas de passar, nunca tanto desejei e qui s a alguém como a essa doirada mulata de lábios
gulosos. Meu tempo nunca foi tão livre, disponho até das horas dedicadas à
prosa com o juiz, pois o Meritíssimo reduziu a simples aceno de cabeça as
relações com esse seu incondicional admirador.
No entanto, o trabalho marcha lento e
difícil, saem trôpegas as frases, embrulham-se os acontecimentos em minha
cabeça, não consigo fixar-me no comandante e em sua madura bem-amada, a
solteirona Clotilde.
Madura, bem madura, há uma veranista na
praia cujos olhos me perseguem. Viúva, veio pela primeira vez passar aqui os meses de verão com umas sobrinhas. Não pode
me ver sem ficar inqui eta, puxa
conversa, dá-me entrada, só falta me agarrar.
Mas quem teve em seus braços os pequenos
seios rijos de Dondoca, suas modeladas ancas, quem tocou seu ventre de fagulha,
como poderia sentir, sequer por explicável curiosidade, o menor desejo por essa
ruína a reclamar urgente meia sola, operação de cirurgia plástica?
Como pesqui sar
a verdade sobre o comandante e suas aventuras, se, neste momento, o que desejo
descobrir, tirar a limpo, pôr completamente a claro, é como veio o Meritíssimo
a saber de minhas nocturnas visitas ao Beco das Três Borboletas?
Desconfio ter sido carta anónima. Um
desses mexeriqueiros suburbanos, um Telémaco Dórea, um Otonlel Mendonça,
invejoso de meus sucessos nas letras históricas e de meu lugar no leito de
Dondoca.
A raça de Chico Pacheco não se extinguiu
em Periperi. Ah !
mas se eu descobrir a verdade, não convidarei o canalha para um duelo como fez
o comandante. Parto-lhe a cara na primeira esqui na.
Da científica teoria das
baqueanas
- Lá vai o comandante comboiando a sua baqueana... - disse o advogado paraense Dr. Firmino Morais, com fumaças de literato, e vasto prestígio social.
Regressava de viagem ao Rio, onde
defendera, ante o Supremo Tribunal Federal, recurso de uma firma exportadora de
borracha. Rendera-lhe o passeio mais de cem contos de réis.
Era grande a roda no salão, centralizada
pelo senador, por um padre, o Reverendo Clímaco, e por uma senhora idosa, de
brancos cabelos anelados, amável porte, cuja beleza devera ter sido estonteante
e que sabia envelhecer com dignidade e classe.
Os netos, de quando em vez, vinham
encostar-se em seus joelhos, receber uma carícia, uma palavra, um beijo. Os
recém-casados estavam no grupo, além dos dois estudantes de Fortaleza, e da
mameluca, sentada ao lado da simpática velha que, por vezes, sorria para a moça
admirando-lhe a agreste beleza.
Ainda outras senhoras e outros homens
ali reunidos, nas cadeiras estofadas, contentes de privar com personalidades
ilustres como o senador, o grande advogado, o reverendo e aquela anciã, cuja
família, filhos e genros, era conhecida no país inteiro.
Olhavam o comandante passar ao lado de
Clotilde, no tombadilho.
- Balzaqui ana,
quer o senhor dizer... - corrigiu um estudante com a natural suficiência da
idade.
- A mulher de Balzac... - completou o
senador com seus laivos de literatura (clássica, bem entendido).
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