sexta-feira, junho 27, 2014

Tomou-lhe a mão, saíram pelo outro lado...
OS VELHOS
 MARINHEIROS
(Jorge Amado)

Episódio Nº 117










E contou-lhe ele também as razões desse seu solitário viver, de não ter casado nunca. Ela chamava-se Dorothy, o comandante trazia o seu nome e um coração tatuados no braço.

- Tatuados? Quer dizer que não desaparece?

- Jamais. Foi tatuagem feita por um chinês, mestre no ofício, em Cingapura.

- Quer dizer que não a esqueceu, certamente ainda anda atrás dela...

- Ela morreu... - no minuto de trágico silêncio, Dorothy desenhou-se ao luar, seu esguio corpo, sua febre de amor.

Morrera antes do casamento, nas vésperas. Tinha acabado de obter o divórcio, o marido finalmente aceitara libertá-la...

- Ah! Era casada...

Sim, era casada quando ele a conhecera e amara a bordo do Benedict, um grande navio a fazer a rota entre a Europa e a Austrália. Fora paixão assim quase tão fulminante e profunda quanto a que agora sentia, a bordo do Ita, por Clotilde.

Ela ia com o marido, mas de que valem as convenções e as leis, diante do amor? Ele largara o navio, ela o marido, tinham desembarcado em escondido porto asiático, à espera da decisão do marido...

- Desavergonhada... Casada...

 Não, não fosse Clotilde injusta, não a julgasse mal. Porque não houvera nada entre eles, nada chegara a acontecer. Dorothy contara tudo ao marido e só fugira porque aquele egoísta não quisera dar-lhe o divórcio.

 Não haviam ido além de castos beijos. Ela ficara em casa de uma santa missionária, Irmã Carol, a esperar. Só após o divórcio e o novo casamento, seriam um do outro. A própria Dorothy assim tinha exigido.

Obtivera finalmente o divórcio, os papéis para o casamento estavam sendo preparados, quando a febre, aquela febre terrível da Ásia, à qual ele era imune, acabou com ela em três dias. Com ela e com sua carreira.

 Ficara como um louco, jurara não mais entrar num navio, e, se estava agora no comando do Ita até Belém, era porque a lei a isso o obrigava, não podia faltar ao dever solenemente prometido, quando recebera, após seu brilhante concurso, o diploma de comandante.

 Eis por que não se casara nunca, trancara seu coração para sempre. Mas, nesta viagem...

Ela pediu para pensar. Antes de chegar a Belém responderia, ainda estava confusa e amedrontada. Além do mais, devia obter o consentimento do irmão no Pará. E o de Jasmim, acrescentou sorrindo...

Na noite de luar vogava o navio, céu e mar banhados de prata e ouro. Na coberta, juntos à amurada, o comandante e Clotilde trocavam juras de amor. Riam sem motivo, suspiravam, diziam palavras inconsequentes, roubavam-se beijos, apertavam-se as mãos.

Até ouvirem ruído na escada e buscarem abrigo na sombra do barco de salvamento. Na coberta apareceu outro casal. Primeiro viram o vulto do Dr. Firmino Morais, o advogado paraense. Espiou em redor, terminou de subir, fez um sinal, chamando. Surgiu então, de mãos estendidas para ele, Moema, a mameluca, e ali mesmo se abraçaram e beijaram numa fúria e pressa de danados.

- Descarada... - murmurou Clotilde. - Ele é casado...

- O amor - respondeu-lhe o comandante - não respeita convenções, o amor é como a tempestade.

Tomou-lhe da mão, saíram pelo outro lado, foram-se juntar com os passageiros no salão.

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