...pois é como lhe digo, minha senhora... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 126
- Ordem do Comandante: todas as espias!
Os marinheiros arrastavam as espias,
atiravam-nas a carregadores no cais que as prendiam aos grandes pés de ferro.
Todos os lances sem faltar um só, os cabos de fibra balançando no ar.
- Quantos strings, Comandante?
- Todos!
- Ordem do Comandante: todos os strings!
Foram estendidos os cabos de aço, os
traveses, enleando o navio definitivamente ao cais. Como se já não estivesse
ele de tal modo preso ali com raízes tão profundas, como se as âncoras, as
manilhas, os lançantes já não o garantissem de sobejo contra as piores
tempestades e os tufões mais brutais.
Tempestades e tufões que nenhum serviço
meteorológico previa, nem o olho mais experiente do mais temperado e velho
marinheiro. A previsão era de tempo belo e calmo, de fresca viração.
Um riso homérico elevava-se do cais,
vinha também da primeira classe do navio. O imediato prosseguiu:
- O ancorete também, Comandante?
- Também - ouvia o riso a crescer,
compreendeu o logro em que caíra, mas estava possuído, não podia parar.
Chegava até a ponte aquele som de riso,
um riso universal.
- Ligado por amarra ou cabo de aço?
- Pelos dois.
- Ordem do Comandante: arriar o ancorete
e ligá-lo com amarra e cabo de aço!
Inclinava-se ante ele o imediato:
- Obrigado, Comandante, está concluída a
amarração. Baixou a cabeça Vasco Moscoso de Aragão, sua caída crista.
Era a zombana de todos, o riso que se
alastrava pelo cais afora, atingia a cidade, fazia com que viesse gente
correndo para ver o espectáculo do Ita amarrado ao cais de Belém como se fosse
chegado o dia do juízo final, e fosse o mundo terminar em tufão e tempestade.
Sua crista caída, saiu de entre os
oficiais de bordo, que não podiam de tanto rir, andou para sua cabine, onde já
arrumara a bagagem na pressa de alcançar Clotilde.
Tomou das malas. A quem poderia na Bahia
passar um telegrama, pedindo que vendesse a casa de Periperi e comprasse a de
Itaparica?
Não tinha amigos na capital, fora-se o
tempo da turma inesquecível, e a Zequi nha
Curvelo não podia pedir tal coisa. Nem jamais lhe aparecer, fitar sua face. As
gargalhadas, a formarem uma só gargalhada descomunal, entravam pela cabina
adentro.
Desceu para o tombadilho de primeira, a
crista murcha, a escada vinha de ser posta. Chegou a tempo de ouvir o
comissário explicar a Clotilde, rindo-se a não mais poder:
- ...pois é como lhe digo, minha
senhora...
Ela trazia na mão um pedaço de papel.
Seus olhos se encontraram, ela o fitou com desprezo, picou em pedacinhos o nome
e o endereço, o papel ainda quente de seu seio.
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