terça-feira, julho 08, 2014

...pois é como lhe digo, minha senhora...
OS VELHOS
 MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 126










- Ordem do Comandante: todas as espias!

Os marinheiros arrastavam as espias, atiravam-nas a carregadores no cais que as prendiam aos grandes pés de ferro. Todos os lances sem faltar um só, os cabos de fibra balançando no ar.

- Quantos strings, Comandante?

- Todos!

- Ordem do Comandante: todos os strings!

Foram estendidos os cabos de aço, os traveses, enleando o navio definitivamente ao cais. Como se já não estivesse ele de tal modo preso ali com raízes tão profundas, como se as âncoras, as manilhas, os lançantes já não o garantissem de sobejo contra as piores tempestades e os tufões mais brutais.

Tempestades e tufões que nenhum serviço meteorológico previa, nem o olho mais experiente do mais temperado e velho marinheiro. A previsão era de tempo belo e calmo, de fresca viração.

Um riso homérico elevava-se do cais, vinha também da primeira classe do navio. O imediato prosseguiu:

- O ancorete também, Comandante?

- Também - ouvia o riso a crescer, compreendeu o logro em que caíra, mas estava possuído, não podia parar.

Chegava até a ponte aquele som de riso, um riso universal.

- Ligado por amarra ou cabo de aço?

- Pelos dois.

- Ordem do Comandante: arriar o ancorete e ligá-lo com amarra e cabo de aço!

Inclinava-se ante ele o imediato:

- Obrigado, Comandante, está concluída a amarração. Baixou a cabeça Vasco Moscoso de Aragão, sua caída crista.

Era a zombana de todos, o riso que se alastrava pelo cais afora, atingia a cidade, fazia com que viesse gente correndo para ver o espectáculo do Ita amarrado ao cais de Belém como se fosse chegado o dia do juízo final, e fosse o mundo terminar em tufão e tempestade.

Sua crista caída, saiu de entre os oficiais de bordo, que não podiam de tanto rir, andou para sua cabine, onde já arrumara a bagagem na pressa de alcançar Clotilde.

Tomou das malas. A quem poderia na Bahia passar um telegrama, pedindo que vendesse a casa de Periperi e comprasse a de Itaparica?

Não tinha amigos na capital, fora-se o tempo da turma inesquecível, e a Zequinha Curvelo não podia pedir tal coisa. Nem jamais lhe aparecer, fitar sua face. As gargalhadas, a formarem uma só gargalhada descomunal, entravam pela cabina adentro.

Desceu para o tombadilho de primeira, a crista murcha, a escada vinha de ser posta. Chegou a tempo de ouvir o comissário explicar a Clotilde, rindo-se a não mais poder:

- ...pois é como lhe digo, minha senhora...

Ela trazia na mão um pedaço de papel. Seus olhos se encontraram, ela o fitou com desprezo, picou em pedacinhos o nome e o endereço, o papel ainda quente de seu seio.

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