Ou tá com medo? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 5
3
Antes de deixar a fazenda, Natário examinara rifles e bacamartes, clavinotes e revólveres: armas de primeira, escolhidas a dedo, compradas a peso de ouro; bem azeitadas, em ponto de bala.
Fizera e refizera cálculos, disposto a
evitar qualquer imprevisto.
Não podia permitir descuidos, tampouco
depender de ajustes
duvidosos; afirmara ao coronel
Boaventura que nem um único jagunço saído da Fazenda Cascavel prosseguiria na
viagem para Itabuna, estavam em jogo sua palavra e a patente de capitão. O
fazendeiro fora aguardar a notícia em ilhéus.
A chuva se prolongava há mais de uma
semana. Nos caminhos
transformados em lamaçal, a marcha se
tomava difícil, extenuante, cada légua valia por três. Na intenção de reduzir
ao mínimo a demora na tocaia, Natário aguardara o anúncio da partida do bando
armado pelo coronel Elias Daltro, para movimentar seus homens.
A notícia demorou a chegar pois os
condenados abandonaram
o couto na Fazenda Cascavel com atraso
de dois dias, esperando em vão que o temporal amainasse. Tendo as chuvas
redobrado, não lhes sobrou outro jeito senão enfrentar a jornada naquelas péssimas
condições: levavam pressa, tinham data marcada para chegar.
Impaciente — a manhã ia alta—, o coronel Elias
assistiu à partida, deu as últimas instruções a Berilo: em Itabuna deveria se apresentar ao doutor Castro,
colocar-se às ordens.
Quanto ao percurso, Coroinha os guiaria:
andarilho e caçador, vaqueiro experimentado, conhecia aqueles cafundós palmo a palmo,
passaria longe das divisas da Fazenda da Atalaia.
A
expedição fora preparada debaixo do maior sigilo para que dela não chegasse
anúncio ou consta aos ouvidos do coronel Boaventura ou de sua gente.
Exceptuando-se Berilo e Coroinha, os
demais não sabiam para onde viajavam. Jagunços pagos para combater, não eram
confidentes nem comandantes, quanto menos soubessem, melhor.
-
O que é que tu tem, homem de Deus? —
Indagou Berilo
a Coroinha quando, ao escurecer, se
desviaram do caminho para enveredar pela trilha: — Tu tá vendo passarinho
verde? Ou tá com medo? De quê?
-
Tou pondo sentido para não perder o
rumo.
Até podia ser. A lama desfazia o
carreiro aberto pelo rastro
dos animais em direcção ao rio. Coroinha
se abaixava, cheirava o chão, partia em frente. Cada passo custava esforço; no lombo, fardos
de cansaço. Caititus e cutias atravessavam em disparada, cobras silvavam,
jararacuçus e cascavéis.
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