O que é que faz enterrado aqui? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 90
-
Por que não foi me visitar em Itabuna? Esperei em vão.
-
Não fui lá ainda. - Demorava a recobrar-se.
-
Já que não foi, eu vim, pobre de mim. Com os olhos percorreu as cercanias: - Lugar
mais acanhado. O que é que faz enterrado aqui ?
Abanou a cabeça, em desacordo. Os
cabelos enrodilhados em birote, um pente de tartaruga, adorno fino, a
prendê-los no alto cocuruto. Antes que o turco respondesse, prosseguiu:
-
Vai ficar aí parado? Não me convida para entrar? Não me oferece nada para
beber? - E foi entrando.
Deteve-se junto ao balcão, examinando os
artigos à venda, poucos e mixes, abanou novamente a cabeça em sinal de
reprovação, mas não fez comentários.
Ainda atarantado, Fadul a acompanhou.
Deus do céu! Era verdade ou o sol dera-lhe na moleira fazendo-o enxergar
visagens à luz do dia?
Não sabendo o que lhe oferecer — não tinha
nada digno dela, perguntou:
-
O que é que toma?
-
Aceito um gole d!água, da quartinha. - Jussara apontou
para a moringa no parapeito da janela.
Rodeou o balcão, penetrou casa adentro,
devassando os cómodos, atravessou o umbral do quarto de dormir:
-
Gosto de cama grande mas desse tamanho nunca vi.
-
Pra me caber. - Orgulhou-se Fadul entregando-lhe a caneca com água fresca.
Jussara bebeu em pequenos goles,
estalando a língua, como se degustasse vinho raro, enquanto voltava a fitar o
turco, a medi-lo e a aprová-lo satisfeita, a boca molhada semi-aberta, os olhos
turvos:
-
Cabe dois de seu tamanho e ainda sobra.
Riu um riso de subentendidos, curto e
espesso, devolveu-lhe a caneca.
-
Obrigada. Quando for a Itabuna não deixe de ir me ver pra eu lhe mostrar a
loja. Não sei cuidar sozinha, não dou conta.
-
Repetia o que dissera na feira de Taquaras: oferecia-lhe emprego no balcão da
loja ou, quem sabe, a mão em casamento?
-
Quando aparece por lá?
Adoçou a voz, desfez-se em dengue, pediu
e avisou:
-
Não demore, vá logo que puder. Não posso ficar esperando a vida inteira. Pobre
de mim.
Deu meia-volta, pronta para sair do
quarto e retirar-se de
Tocaia Grande. O turco estremeceu:
-
Já vai embora?
-O
que é que eu vou ficar fazendo aqui ?
Passei só pra lhe ver.
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