Que um anjo fale pela sua boca, capitão! |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 144
Já vi vancê andar léguas com a mala nas
costas pra ir a um bleforé:
- Lá isso é verdade, já se deu.
Picando fumo de corda para o cigarro, o
capitão Natário da
Fonseca voltou-se para o negro:
- Acho que vancê faz bem. Tocaia Grande
tá crescendo, não demora a ser um povoado. Já tá em tempo de se civilizar.
- Pra povoado ainda falta muito. - Fadul
deixara de rir.
Para, chegar a Tocaia Grande, indo em
direção do Norte, vindo do Sul e vice-versa, o capitão Natário da Fonseca
atravessava boa parte da área do rio das Cobras, conhecia palmo a palmo as
recentes plantações dos coronéis, extensas a perder de vista, os eitos menores
de gente como ele, íntimo
de cada pé de pau: acendendo o cigarro de palha abria as
porteiras do futuro:
-
Dá gosto ver as roças crescendo tão ligeiro. Pro ano é bem capaz que já dê flor
e bilro; não vejo a hora.
Não viam a hora, todos eles. Os olhos se
enchiam de cobiça e de esperança, o coração batia no peito mais depressa. Que
um anjo fale por sua boca, Capitão!
O
árabe juntou as mãos e as elevou ao céu:
-
Pro ano, Capitão? Com quatro anos? Não é com cinco que as bichinhas começam a
botar? - Dizia bichinhas em lugar de roças; a voz cálida e tema, até parecia
que falava em donzelas nas vésperas de primeiro cio.
-
Tenho pra mim que pro ano, sim. Tanto que já acertei com Bastião e Lupiscínio a
construção do cocho e das barcaças na
Boa Vista.
-
O cacho onde retirar o mel dos caroços do cacau mole após a colheita, as
barcaças onde secá-los ao sol. - Não tarda mais de um ano a ter cacau, se Deus qui ser, se não melar.
Viviam na dependência da chuva e do sol
para que os bilros brotassem fortes, sem o perigo do mela, da podridão dos
frutos.
Boas noticias para os carpinas e os
pedreiros, para Merência e seu marido Zé Luiz: começavam as empreitadas e as
encomendas.
Enquanto isso era preciso festejar o São
João para que a vida não fosse apenas o trabalho, a caça, a cachaça, o fuxico e
o chamego das mulheres, a lama e a morrinha.
7
Já é hora de falar de Zuleica, que
demorando em Tocaia
Grande desde o inverno precedente,
mereceu apenas breve referência: segundo ela os pássaros silenciavam para ouvir
o canto de Castor Abduim da Assunção; era trigueira e cismarenta.
Na coorte de abelhudas a rondar a
oficina de Tição, Zuleica destoava por discreta e retraída. Presença quase
furtiva, rosto cândido, modos reservados; não estivesse ali fazendo a vida poderia
passar por moça de família.
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