segunda-feira, janeiro 12, 2015

Que um anjo fale pela sua boca, capitão!
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 144

















Já vi vancê andar léguas com a mala nas costas pra ir a um bleforé:

- Lá isso é verdade, já se deu.

Picando fumo de corda para o cigarro, o capitão Natário da
Fonseca voltou-se para o negro:

- Acho que vancê faz bem. Tocaia Grande tá crescendo, não demora a ser um povoado. Já tá em tempo de se civilizar.

- Pra povoado ainda falta muito. - Fadul deixara de rir.

Para, chegar a Tocaia Grande, indo em direção do Norte, vindo do Sul e vice-versa, o capitão Natário da Fonseca atravessava boa parte da área do rio das Cobras, conhecia palmo a palmo as recentes plantações dos coronéis, extensas a perder de vista, os eitos menores de gente como ele, íntimo de cada pé de pau: acendendo o cigarro de palha abria as porteiras do futuro:

 - Dá gosto ver as roças crescendo tão ligeiro. Pro ano é bem capaz que já dê flor e bilro; não vejo a hora.

Não viam a hora, todos eles. Os olhos se enchiam de cobiça e de esperança, o coração batia no peito mais depressa. Que um anjo fale por sua boca, Capitão!

 O árabe juntou as mãos e as elevou ao céu:

 - Pro ano, Capitão? Com quatro anos? Não é com cinco que as bichinhas começam a botar? - Dizia bichinhas em lugar de roças; a voz cálida e tema, até parecia que falava em donzelas nas vésperas de primeiro cio.

 - Tenho pra mim que pro ano, sim. Tanto que já acertei com Bastião e Lupiscínio a construção do cocho e das barcaças na
Boa Vista.

 - O cacho onde retirar o mel dos caroços do cacau mole após a colheita, as barcaças onde secá-los ao sol. -  Não tarda mais de um ano a ter cacau, se Deus quiser, se não melar.

Viviam na dependência da chuva e do sol para que os bilros brotassem fortes, sem o perigo do mela, da podridão dos frutos.

Boas noticias para os carpinas e os pedreiros, para Merência e seu marido Zé Luiz: começavam as empreitadas e as encomendas.

Enquanto isso era preciso festejar o São João para que a vida não fosse apenas o trabalho, a caça, a cachaça, o fuxico e o chamego das mulheres, a lama e a morrinha.

7

Já é hora de falar de Zuleica, que demorando em Tocaia
Grande desde o inverno precedente, mereceu apenas breve referência: segundo ela os pássaros silenciavam para ouvir o canto de Castor Abduim da Assunção; era trigueira e cismarenta.

Na coorte de abelhudas a rondar a oficina de Tição, Zuleica destoava por discreta e retraída. Presença quase furtiva, rosto cândido, modos reservados; não estivesse ali fazendo a vida poderia passar por moça de família.

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