sábado, fevereiro 14, 2015

Maginei um arraial, mal passa de um arruado.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 174




















O velho Ambrósio, a velha Evangelina, conhecida por Vanjé.

Encarquilhados, magrelas, canosos: ele não passara dos cinqüenta, ela ainda não chegara lá. Dois velhos lavradores escorraçados de suas plantações, em busca de braças de terra onde semear e colher por conta própria.

 Fitavam a mata virgem alçada diante deles, pujante e antiga. Terras devolutas, era chegar e tomar posse. Não seria outro embuste, treita vil?

Por que o homem, um capitão, haveria de mentir? O horror ocorrera nos longes de Sergipe, terras cativas. Águas passadas.

Dinorá mantinha-se junto de Vanjé, a criança ao colo. Voltou- se e sorriu para o marido, João José, dito Jãozé. Terminada a peregrinação, iam poder sitiar os parcos teréns, finalmente assentar casa.

Pensara que nunca mais alcançariam pouso, sítio onde amanhar o solo, plantá-lo, criar porcos e galinhas. Criar o filho, engravidar de novo. Temera que o menino morresse na estrada, em seus braços: o enfezado gemia baixinho e devagar, sem forças para o choro.

O marido deu um passo à frente, colocou-se entre a mãe e a mulher; respondeu ao sorriso aflorando com os dedos o rosto lasso da companheira. Ele, João José, desaprendera de sorrir.

Antes dos acontecidos de Maroim - fora ontem ou decorrera muitos anos? - Dinorá povoava a casa de cantigas, face louçã, olhos vivos, garrida, alvoroçada. À noite, ele a tomava nos braços, riam e suspiravam juntos.

Dedos toscos, mão calosa e suja: o carinho inatendido não tocou apenas a face de Dinorá ampliando o sorriso tímido nos lábios ressequidos. Ungüento milagroso, derramou-se sobre as chagas, por fora e por dentro, no exposto e no recôndito.

As pontas dos dedos tocaram cada fibra de seu ser: bálsamo suave, chama voraz. Dinorá sentiu-se renascer, outra vez mulher para a labuta e a cama.

A formosura das cercanias não encobria a pobreza do lugar.
Jãozé queixou-se, macambúzio:

- Maginei um arraial, mal passa de um arruado. Tá nos começos.

- Que nem nós. Diz-que a terra é boa. - Retrucou Ambrósio levantando a voz para impor a confiança.

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