Largo do Seminário |
HOJE É
DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém em 29/3/15)
Haverá vida depois da morte? - Mark Twain,
considerado por William Faulkner, o primeiro escritor verdadeiramente
americano, dizia:
«Não tenho medo da
morte. Estive morto durante milhões e milhões de anos antes de nascer e não
senti o mais pequeno incómodo por isso».
Richard Dawkins
disse precisamente o mesmo mas de uma forma mais elaborada que vale a pena
reescrever:
«A vida é uma
extraordinária oportunidade e eu que vou morrer considero-me bafejado pela
sorte porque a maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar
a nascer… Como poderemos nós,
então, os poucos privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhamos a
lotaria do nascimento, atrever-mos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a
esse estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?».
Há uns meses, para
me poupar a um desagradável exame, submeti-me a uma anestesia geral e quando deitado
na marquesa aguardava a injecção da anestesia pensei que me ia sujeitar a uma
simulação da morte.
Acordado, mais
tarde, pensei que ter estado desligado da vida pouco mais de uma hora ou o
resto da eternidade, teria sido precisamente o mesmo: o vazio total e, afinal,
sem nenhum custo, dor ou sacrifício, nada…
Contudo, as
sondagens vão no sentido de que aproximadamente 95% das pessoas acreditam que
vão sobreviver à própria morte.
Quase tenho vontade
de dizer que os homens vivem durante tantos anos que se habituam a estar vivos
e depois não querem morrer.
Claro que a natureza
dotou os animais e naturalmente o homem também, do instinto da sobrevivência,
fonte de vida, mas para quê estar vivo durante tantos anos depois da fase de
procriação?
O arqui tecto Niemeyer, nascido em 1907, falecido em 2012 com 105 anos e o nosso Manuel de Oliveira, nascido um ano mais tarde que continua ainda a trabalhar.
São exemplos
relativamente aos quais me apetece dizer que deviam ficar cá para sempre, mas a
maioria esmagadora dos nossos velhos limita-se a aguardar a morte, sentados por
aí nos bancos dos jardins, muitos deles com vidas prolongadas pelo Serviço
Nacional de Saúde.
O meu vizinho do 5º
Esq. que lá vai suportando os seus noventa anos com a ajuda da bengala e quase
sem ver nada, tendo por companhia a solidão, as dores e os desgostos da vida,
desabafou comigo há dias à entrada do elevador:
- “O dia em que
morrer vai ser o mais feliz da minha vida…”.
Mas a natureza sabe
o que faz e não é por acaso que após a idade de procriar continuamos a poder
viver mais do dobro dos anos. As nossas crianças não só precisam dos pais
como, igualmente, precisam dos avós, pessoas mais disponíveis que os pais para
os proteger e ensinar assegurando-lhes uma melhor oportunidade para serem
adultos mais preparados.
Mas querer estar
vivo é uma coisa, continuar a viver depois de morrer é outra…
Bertrand Russel, no
seu ensaio de 1925 “What I Believe” escrevia:
- “Acredito que quando
morrer vou apodrecer e nada do meu ego irá sobreviver. Não sou jovem e amo a
vida mas desdenharia tremer de medo ante a perspectiva da aniqui lação.
Apesar de tudo, a
felicidade só é verdadeiramente felicidade porque tem que ter um fim, do mesmo
modo que o pensamento ou o amor não valem menos por não serem eternos.
Muitos foram aqueles que
pisaram o cadafalso com orgulho; esse mesmo orgulho deveria, por certo,
ensinar-nos a pensar, verdadeiramente, o lugar que o homem ocupa no mundo”.
Para quem teme a
morte, acreditar que tem uma alma imortal pode ser consolador – a menos,
evidentemente, que esteja convencido que vai para o inferno ou para o
purgatório.
As falsas crenças
podem ser tão consoladoras como as verdadeiras, até ao momento do desengano. Se
um médico mente ao doente dizendo-lhe que ele está curado o consolo é idêntico
ao de outro homem a quem seja dito, com verdade, que ele está curado.
A mentira do médico
só é eficaz até os sintomas se tornarem inequívocos mas um crente na vida
depois da morte nunca poderá, em última análise, ser desenganado.
As pessoas
religiosas que dizem acreditar na vida depois da morte se fossem realmente
sinceras deveriam reagir como o abade Ampleforth, quando o cardeal Basil Hume
lhe disse que estava a morrer:
“Parabéns! Que bela
notícia. Quem me dera ir com ir com Vossa Eminência”.
Este abade era um
verdadeiro crente mas é exactamente por esta história ser tão rara e inesperada
que prende a atenção e quase diverte.
Por que razão todos
os cristãos e muçulmanos não dizem a mesma coisa ou algo parecido?
Quando um médico diz
a uma mulher devota que não lhe restam senão alguns meses de vida por que razão
não sorri ela, emocionada, como se tivesse ganho umas férias nas Seychelles?
Por que razão é que
os amigos e familiares, crentes como ela, não a sobrecarregam de mensagens para
os que já partiram? - Dá lá saudades ao tio Alberto quando o vires….
Por que não falam
assim as pessoas religiosas na presença dos que estão à beira da morte?
Será que não
acreditam em todas as coisas em que era presumível acreditarem?
Ou talvez acreditem
mas têm medo do “processo” de morrer que pode ser doloroso e desagradável com a
agravante de que, ao contrário de todos os outros animais, não podem ir ao
veterinário pedir uma morte indolor.
E, neste caso, por
que são as pessoas religiosas as mais ferozes opositores à eutanásia e ao
suicídio medicamente assistido?
Não seria de esperar
que as pessoas mais religiosas fossem menos inclinadas a agarrarem-se
despudoradamente à vida seguindo o exemplo do abade Ampleforth?
A razão oficial é de
que provocar a morte é sempre pecado mas por quê considerar isso pecado se se
acredita sinceramente que se está desse modo a acelerar uma ida para o céu?
Para quem crê numa
vida depois da morte, morrer é apenas a transição de uma vida para outra vida
e, sendo assim, se ela for dolorosa porquê prescindir da anestesia quando não
se prescinde dela para tirar o apêndice?
Daqueles que vêm na
morte não uma transição mas sim o fim é que se poderia, francamente, esperar
resistência à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, no entanto, são
esses que são a favor.
Uma enfermeira com
longos anos de trabalho à frente de um lar de idosos pôde verificar que as
pessoas religiosas eram as que tinham mais medo da morte.
Se este
comportamento for comprovado estatisticamente poder-se-á perguntar, afinal,
qual o poder da religião como reconforto na hora da morte?
No caso dos
católicos será o medo do purgatório, uma espécie de Ellis Island (um dos
principais pontos de entrada dos emigrante para os EUA) divino, uma antecâmara
para onde vão as almas se os seus pecados não são suficientemente graves para
as lançarem logo no inferno mas, por outro lado, precisam ainda de alguma
reciclagem antes de poderem ser admitidas no céu.
Na Idade Média a
Igreja dava indulgências a troco de dinheiro o que, na prática, significava
menos dias de purgatório antes de entrar no céu.
Nesta história da
morte, as Agências Funerárias parecem-me ser as únicas que lucram
honestamente...
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