Em Estância não havia como ganhar a vida |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 256
Em Ilhéus, às ordens, qualquer coisa é
só escrever. Basta botar no envelope: coronel Boaventura Andrade, Ilhéus,
Estado da Bahia, e a carta chega, não faz falta nome de rua, lá todos me conhecem.
A história não era diferente das demais,
repetia-se sempre igual, pequenas discrepâncias de detalhes. Haviam cultivado
terras à meia, conheceram tempos de prosperidade. Depois foi o que se viu: as
terras voltaram à posse do dono, a cana-de-açúcar substituiu o milho e a
mandioca.
Em Estância não havia como ganhar a
vida: nem terras a lavrar, nem empregos no comércio, nada a faze além do eito
nos canaviais do banguê.
Outrora, Estância chegara a ser
metrópole de importância na vida do Estado de Sergipe. As mercadorias,
transportadas por mar, desembarcadas na barra do rio Real, acumulavam-se no porto
do Crasto. De Estância saíam para o sertão, movimento intenso de comboios e
cometas. Mas os trilhos da estrada de ferro que ligaram a Bahia a Sergipe passaram
longe da cidade e assim a condenaram se não à morte, à decadência.
Aos estancianos não restou alternativa além da
partida para o sul: a fama do cacau arrastava os deserdados. Ainda mais se
haviam perdido terra, lavoura e esperança.
Então sia Leocádia lembrou-se do parente
distante e milionário. Reuniu o clã, propôs o êxodo. Somavam vinte e três
viventes, pais e irmãos, tios e primos, o mesmo sangue: sete mulheres, seis
homens e dez filhos menores, de várias idades.
A moça Neneca recusou partir, andava de
namoro firme com Osíris, brilhante orador oficial e medíocre flautista da Lira
Estânciana, vago caixeiro na modesta loja de tecidos do pai, seu Américo, enfim
um morto-em-pé.
Neneca aproveitou o ensejo para sair de
casa e se juntar com o suplicante: um peso a mais nas costas do pobre seu Américo.
Gabriel, pai de Neneca, ameaçou fazer e
acontecer, ela nem ligou e sia Leocádia disse que ele deixasse a água correr,
calasse a boca: se a assanhada queria ficar ali passando fome para acabar
vendendo o corpo, problema dela, eles tinham demais com que se preocupar.
Sia Leocádia escreveu uma carta ao
Coronel, recordando o encontro e os préstimos. Não batera ainda a caçoleta? Perguntara
Vavá, o filho mais velho de sia Leocádia, cinqüentão.
Se houvesse faltado, a notícia do falecimento
teria chegádo a Estância fatalmente, notícias ruins andam ligeiro, não se
perdem nem se atrasam.
Não vai responder, previu o genro
Amândio, incurável desmancha-prazeres.
Não somente respondeu, como o fez por
telegrama, foi uma sensação. Juntaram os teréns, embarcaram na terceira classe
do trem para a Bahia onde tomariam o navio para ilhéus, contando o dinheiro
parco. Em Ilhéus, o primo se ocuparia deles.
Trabalho não faltava sobretudo na época
da colheita, mas o Coronel não desejava ver seus parentes
mourejando na precária condição de alugados. Lembrou-se de Tocaia Grande,
decidiu ir pessoalmente verificar a situação. Com a assistência de Natário, escolheu
o local, na divisa do roçado e do criatório de Altamirando.
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