quinta-feira, julho 16, 2015

Agora Já Não Morro...
















A partir de uma certa idade já não se morre... a vida é que nos vai deixando, progressiva e lentamente, a um ritmo cada vez maior à medida que se avança e nada tem a ver com doenças, apenas com a natural perda da vida que se está escapando.

É um processo gradual, muito engenhoso de que a natureza se socorreu para atenuar o desgosto da morte.

Sei lá, é um desgaste do corpo, uma coisa por dentro de nós que não acontece em todos os órgãos ao mesmo tempo.

Parece que começamos com os óculos dos 50 e depois vai-se por aí fora... As células que se renovam periodicamente já não o fazem com a mesma rapidez, cuidado e atenção. Sempre me fizeram lembrar o dono de um automóvel novo.

Quando o trazemos para casa, acabadinho de sair do stand, ele são lavagens, polidelas, cuidados de toda a espécie e qualquer toque, pequenino que seja, aí vamos a fugir à oficina para repor tudo impecável e rapidamente.

Com os anos, a nossa natureza, tal como o dono do automóvel que já foi novinho, começa a ficar descuidada com o nosso corpo e a reposição das células já não ocorre com a mesma perfeição. 

Olho para as costas das minhas mãos: durante anos e anos, a um ritmo que desconheço, a pele foi reposta sem que me apercebesse de qualquer alteração. A partir de um determinado momento, já não me lembro quando, é o que se vê: - pequenas manchas castanhas dispersas ao acaso, umas maiores, outras mais pequenas, a merecerem justificadas reclamações.

Felizmente, sou uma pessoa com sorte, vivo no Século XXI, com próteses e comprimidos de toda a espécie para compensar os males da idade, a perda de faculdades, o desgaste dos órgãos e que nos dão esta maravilhosa sensação de juventude.

Na Idade Média, independentemente da classe social a que se pertencia, andávamos sujos e mal cheirosos, poucos eram os que tinham dentes e se possuíam alguns, estavam partidos ou podres, o hálito era insuportável e em muitos as marcas da varíola cobriam-lhes o rosto.

Mesmo num Castelo feudal ou num Paço senhorial as condições de vida eram muito piores do que numa pensão dos nossos dias por muito rasca que ela seja. As paredes não tinham revestimento e os edifícios eram escuros, húmidos e frios. As camas eram ninhos de pulgas e percevejos. Começava-se a viver a vida adulta na adolescência, quando não era mesmo na infância, e aos 30 anos era-se velho.

A natureza dos nossos corpos era a mesma de hoje mas o processo de desgaste e envelhecimento era terrível.

Na nossa Europa, mil anos atrás, os nossos conterrâneos praticamente não comiam e não era porque tivessem falta de apetite ou andassem preocupados com a linha. Simplesmente não tinham que comer... o que lhes faltava era a comida!

Só se comia o que era produzido localmente e esse pouco ia parar às mãos dos senhores locais.

Eu sei que aos 76 anos a minha natureza acusa os efeitos da idade. Bem vistas as coisas são já muitos anos, mais do que a esperança de vida que me era dada quando nasci, mas ela não se pode queixar que eu lhe tenha dado maus-tratos mas todo o mérito, para além da sorte que tive em sobreviver à queda para o fundo de um poço sem água e ferramentas, 12 metros lá em baixo, quando tinha uns 13/14 anos de idade, e mais tarde ter conseguido passar pelo intervalo das balas... numa emboscada na guerra de Angola, vai na sua quase totalidade para a época em que vivo e isso foi obra do acaso, para além da outra sorte, a de ter nascido.

Agora, a maioria das pessoas, só morre porque a vida os vai deixando, quando a “esperança de vida ao nascer” não cessa de aumentar e a medicina não pára de fazer descobertas que a prolongam a ponto de certas pessoas, em condições excepcionais, terem de fazer requerimentos para poderem morrer.

Em seu devido tempo a morte aceita-se sem drama. Lembro-me da minha sogra que aos oitenta e muitos anos, na fase terminal de um cancro, se despedia de mim, na cama do hospital, com um sorriso doce nos lábios que nunca esquecerei, dizendo:

- Sejam felizes!

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