Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 14
A esta hora, quando sol
nasceu a leste, e enquanto o arqueiro se volta a aproximar dele, Dona Teresa
ainda deve estar a dormir.
Costuma levantar-se tarde ao
contrário do marido galego que no outro quarto. O menino não consegue falar com
Bermudo, pois ele raramente fala. O personagem parece mudo e tolo, só abana a
cabeça confirmando qualquer ordem da autoritária esposa.
Tudo o que Bermudo diz é:
- Bom dia.
E horas depois:
- Boa noite.
O menino observa uma última
vez as tropas do califa. Nunca teve jeito para contas mas ouviu dizer que são
milhares.
Pergunta a si próprio o que
faria seu pai contra tantos. Foi vê-lo morrer num quarto sombrio da distante
Astorga, e aquelas barbas falantes continuam dentro da sua cabeça.
À noite, visitam-no, enormes
e perturbadoras, e falam muito, falam sempre com ele, mas raramente percebe o
que dizem. O pai é um fantasma mas o menino gosta muito dele.
Então, semicerra os olhos,
sente uma fúria a crescer no coração, firma os dedos no granito da ameia e
decide fazer uma promessa ao seu defunto pai.
Lutarei até à morte e não
deixarei Portugal cair nas mãos dos serracenos!
No quarto do castelo, nessa
manhã, eu e meus irmãos ouvimo-lo gritar. Embora eu fosse o mais dorminhoco dos
três já tinha acordado e preparava-me para ir brincar quando escutei aquela
berraria do meu melhor amigo, Afonso Henriques.
Aos gritos, ele prometeu ao
conde Henrique, em lutar, lutar sempre e se houve promessa que o meu melhor
amigo cumpriu durante a sua longa vida foi aquela que fez ao pai, ao sol e às
nuvens, aos oito anos, no alto da torre do castelo de Coimbra, em frente dos
exércitos de Ali Yusuf.
Portugal começou como o
fruto de uma promessa infantil.
Coimbra, Julho de 1117
Durante um passeio pela
muralha de Coimbra, meu tio Ermígio e meu pai, Egas Moniz, chegaram a uma óbvia
conclusão: era à divisão entre os cristãos que se devia a ousadia do califa
almorávida que cercava a cidade.
Desde a morte de Afonso VI,
oito anos antes, os reinos peninsulares viviam numa bulha permanente que os tornava
vulneráveis.
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