Arriara agonizante entre o cabra e a esposa |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 337
Ouviam-se rumores sobre o delicado assunto,
falavam em desentendimento e em troca de palavras ásperas.
Por ocasião do imprevisto falecimento do
pai, Venturinha se encontrava na Europa, no início de uma excursão projetada para
se prolongar pelos cabarés e randevus das grandes capitais, Londres e Paris,
Berlim e Roma.
Não
chegou a visitar Berlim e Roma, pois a notícia, retransmitida de Londres, o
alcançara em Paris, apaixonado e perdulário.
Com bastante atraso: havia quase um mês
que o Coronel jazia no cemitério de Ilhéus, no Alto da Conqui sta - cortejo fúnebre interminável, intermináveis
discursos ao pé do mausoléu - e as missas de sétimo dia tinham sido rezadas,
estando próximas as de mês: as encomendadas por dona Ernestina e as de Adriana.
Inclusive o espírito do Coronel já se
encarnara por mais de uma hora no corpo esguio e nervoso da médium Zorávia, na
Tenda Espírita Fé e Caridade, solicitando a Adriana missas em intenção de sua
alma e esmolas para os pobres, ajudando -o assim a deixar os círculos
inferiores do Além onde vagava.
Nas ruas das cidades, sobretudo em
Itabuna, os maldizentes, a par de tais fenómenos psíqui cos,
traduziam círculos inferiores por profundas dos infernos.
Línguas viperinas, não respeitavam os
mortos.
Também se dizia a torto e a direito que a
causa imediata da congestão que fulminara o Coronel fora a carta chegada do Rio
de Janeiro na qual o filho lhe anunciava a partida para Londres a bordo de um
paquete da Mala Real Inglesa.
Viagem de estudos com duração prevista de
três meses. Solicitava o resgate de duplicata assinada contra um Banco
igualmente inglês, empréstimo destinado a financiar a excursão.
Viagem decidida de última hora, Venturinha
lastimava não ter tido tempo de avisar aos pais com a devida antecedência:
quando recebessem a carta já estaria na Inglaterra.
Não tendo ainda endereço a comunicar,
enviava o do Banco através do qual devia lhe ser remetida, com a natural
urgência, forte soma de dinheiro: sendo quem era não podia fazer na Europa
papel feio, de pobre-diabo, sem eira nem beira.
Reclamava numerário copioso e rápido: estudos
em Oxford e na Sorbonne custavam os olhos da cara.
A carta chegara a Ilhéus e de lá fora
remetida para Taquaras.
Obedecendo ordens estritas do Coronel,
Lourenço, o chefe da estação da Estrada de Ferro, a enviara por um próprio à
Fazenda da Atalaia: carta ou telegrama do doutor Venturinha mande em cima das
buchas, por um mensageiro a cavalo.
Segundo contava o negro Espiridião, o
Coronel mal concluíra a leitura da malfadada epístola. Dera um passo em direção
a Dona Ernestina estendendo-lhe a folha de
papel mas não conseguiu entregá-la, arriara agonizante entre o cabra e a santa
esposa, junto aos pés de Sacramento.
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