sexta-feira, outubro 02, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 73


















O Braganção, vendo que os saciados cavaleiros-vilões se encaminhavam para a porta, logo tratou de assobiar às duas moças, chamando-as para junto deles, enquanto Elvira se afastava.

Algum tempo depois, já bebidos dois jarros de vinho, Gonçalo e ele perguntaram ao príncipe se podiam tomar a dianteira, ao que Afonso Henriques respondeu que assim deviam fazer, uma vez que iriam regressar aos seus aposentos, pois sentia-se ensonado.

Fizemos os dois juntos a viagem de volta, e estávamos quase a chegar a casa quando perguntei ao meu melhor amigo:

 - Que vos pareceu a Maria Gomes?

Afonso Henriques sorriu-me.

 - Bonita e calma. A irmã é mais estouvada.

Nesse momento atrevi-me a dizer:

- Chamoa está encantada por vós, disse-me Maria.

O príncipe limitou-se a encolher os ombros e entramos sem fazer barulho, evitando acordar os meus irmãos mais novos.

Afonso Henriques dirigiu-se para a escada e subiu. O seu quarto era lá em cima, enquanto nós ficávamos no piso térreo.

Depois de se despir, deitou-se, e recordou o dia agitado. Reza a lenda que foi nessa noite que teve a ideia de se armar cavaleiro a si próprio, como faziam os reis, mas não estou certo disso, pois minha prima Raimunda contou-me que, mal o ouvira subir, entrara no quarto.

- Sois vós? – perguntou ele em voz baixa.

Das sombras, um vulto magro avançou na sua direcção, enquanto despia o saiote e a camisa. Afonso Henriques levantou a colcha e deixou que minha prima Raimunda, já nua, entrasse na cama.

Ela amava-o tanto! Nessa noite, tal como no passado vira Dona Teresa fazer ao Trava, deitou-se primeiro em cima dele, e da segunda vez dobrou os joelhos e afundou a cara na almofada.

“Eu era dele, toda dele”, dir-me-ia mais tarde.



Serra Morena, Córdova, Abril de 1126


Muitos anos depois, Abu Zhakaria contou-nos que foi uma ferida profunda que comoveu o rei dos muçulmanos. Taxfin fora atingido fortemente numa batalha nos desertos africanos, e o califa Ali Yusuf veio visitá-lo à sua tenda, onde ele gemia de dores e febre, e destinou os seus melhores curandeiros para o tratarem, mas até ele foi obrigado a reconhecer que, golpeado daquela forma, nunca mais Taxfin seria o guerreiro de outrora.

Por isso, o califa disse-lhe que era melhor regressar a Córdova pois ali já não tinha nada mais a fazer. Nove anos depois, Ali Yusuf, o carregado de pérolas, o que batia as alpercatas no chão para matar formigas, e que cheirava a âmbar mesmo no deserto, deixara-o finalmente partir.



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