quinta-feira, outubro 22, 2015

Ele contou pra gente e nem acredito que possa ser verdade
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 369























Mas as comadres e os compadres, fraterno compadrio nascido da diária convivência de homens livres, conheciam-lhe o discurso, o manifesto e o silêncio.

Acontecesse o que acontecesse, honraria a palavra empenhada, tácita e subentendida, cumpriria o compromisso assumido na trajectória das conjunturas e das ocorrências, as grandes e as pequenas, as bem-aventuradas e as malditas, a aliança celebrada pela vida.

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Espirídião ouvira aqui e ali, nos bancos de cavaco ocioso da estação, nas ruidosas bodegas de cachaça, nas alegres pensões de raparigas, rumores, boatos, diz-que-diz-que sobre o intempestivo e intenso movimento na Intendência, nos cartórios, no quartel da Briosa, na cadeia, nas ruas de Itabuna.

As tramas, a acreditar no vozerio, eram várias e diversas.

Referências muitas, porém vagas, não bastavam para que se chegasse a conclusões precisas. O Capitão pensou em se tocar para Itabuna a fim de saber, detalhe por detalhe, o que estava sucedendo, pondo tudo em pratos limpos.

Mas os outros três, e logo depois também Coroca, pessoa de bom aviso, desaconselharam tal jornada por imprudente e perigosa: era o mesmo que se meter na toca do inimigo, a ele se entregar de mãos e pés atados.

Na opinião segura e equilibrada de Espiridião, se tinham enviado um jagunço a Tocaia Grande para matar Natário, haveria em cada esquina de Itabuna um bandido a esperá-lo, na tocaia.

Fadul Abdala e Castor Abduim concordavam em género, número e caso.

Espiridião encarregara a filha - a professora Antônia dava-se com todo mundo, merecia confiança e era res peitada devido ao saber e aos óculos que o atestavam - de obter o máximo de informações e mandar um próprio levá-las em mão, num recado escrito.

Para escrever bem explicado, com letras bonitas, não havia duas, a professora Antônia estava sozinha.

Nem assim, contudo, o Capitão desistiria, não fosse a chegada a Tocaia Grande de seu Carlinhos Silva.

Estivera em Ilhéus para o relatório mensal, trazia notícias concretas e ordem expressa, ditada por Kurt Koifman em pessoa, de esvaziar e fechar o depósito de cacau e mandar-se de volta para a matriz da firma.

Passado o tempo quente que se anunciava, decidiriam sobre a localização do depósito: na dependência dos conformes poderiam até mantê-lo em Tocaia Grande.



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Acompanhada pelos três filhos, Jãozé, Agnaldo e Aurélio, a velha Vanjé parou diante da entrada da varanda, em casa do capitão Natário da Fonseca:

- Licença, Capitão. Queria dar uma palavra a vosmicê.

Sentado num dos bancos de madeira, limpando o parabelo, o Capitão conversava com Fadul e Tição. Armas amontoadas na sala de visita, aos pés do gramofone, chamaram a atenção da sergipana.

- Tome assento, tia Vanjé. - Natário apontou os bancos vazios:

- Ocês também. Tem lugar pra todos.

Jãozé voltara de Taquaras de olhos arregalados, as orelhas prenhas com o que vira e ouvira. Fora à feira, em companhia do mano Aurélio, levando, nas cangalhas do burro, um jacá de galinhas e dois caçuás repletos de produtos do roçado: abóboras, chuchus, maxixes, quiabos, jilós, batatas-doces; regressara confuso e alarmado, em marcha batida.

Assistira ao insólito tráfego de jagunços, a feira em rebuliço, escutara zunzunzuns de arrepiar.

- Seu Capitão, vosmicê sabe o que Jãozé ouviu dizer na feira de Taquaras? Ele contou pra gente e nem acredito que possa ser verdade.


O Capitão se levantara em busca de canecos, servia cachaça aos recém-chegados.

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