Em 1º plano à nossa esquerda |
Mário
Martins
Martins
Eu e
o Mário Martins nascemos em casas uma ao lado da outra. Entre elas, a
separá-las, apenas uma ponte por onde passavam os comboios, nesse tempo, quase
todos puxados ainda a máqui nas de
vapor.
Separam-nos
cinco anos em idade e quando entrei na escola ele tinha saído dela apontado
pela severa professora, a Srª Dª Ludovina, como o melhor aluno que por lá
passara.
A
ponte, em vez de nos separar uniu-nos como o hífen liga as palavras e os
comboios representavam pontos de exclamação, uns mais lentos, outros mais rápidos...
Convivemos
ao longo dos meus primeiros onze anos, depois fui-me embora e a vida separou-nos
mas nunca o esqueci.
O
Mário fazia-me magias, autenticas, que eu, cinco anos mais novo, não podia
compreender porque não possuía os seus dotes, raros, e logo também não as pude esquecer.
Para
além da inteligência ímpar e dos cinco sentidos que todos nós temos, o Mário
tinha um segundo ouvido, um super ouvido, que nunca me disse que tinha e eu,
criança, não suficientemente esperto, jamais percebi interessado que estava nas aventuras do Cisco Kid do
Mundo de Aventuras que fazia as minhas delícias.
Ficava-me
pela magia, um truque que ele fazia, e não passava daqui para não matar a cabeça. No fundo, era bom ter um amigo mágico!
-
Quim, dizia-me, estás a ouvir o comboio que vem lá? – Sim, eu ouvia um comboio.
-
Pois vou dizer-te o número da máqui na
que o puxa.
Acentuava-se,
à distância, o “pouca-terra”; “pouca-terra”; “pouca-terra”, cada vez mais
rápido e, finalmente, depois daquelas deliciosas apitadelas, que preenchem as
minhas saudades, e serviam para anunciar a partida da Estação de
Braço-de-Prata, ali ao pé, aí vinha ele, depois de descrever a totalidade da curva, lá ao
fundo, negro, envolto em fumo, a resfolgar, como que entusiasmado com a corrida que começara, tal monstro inofensivo, perfeitamente
domesticado, direito a nós.
Então,
o Mário, sem esperar por ele, dizia-me o Número da máqui na
e nunca me lembro de que alguma vez se
tivesse enganado...
Hoje,
já sei, que ele disse-me agora, as máqui nas
emitiam sons diferentes sobre os carris conforme as séries a que pertenciam e o
super ouvido do Mário lia nesses sons o número que eu só via quando ele passava
à minha beira.
Era
essa a magia que finalmente, sessenta e cinco anos depois, ficou explicada...
Há
semanas viu-o na Rua do Ouro. Um grande abraço ao fim de tantos anos e... mais
uma magia:
- Mário, temos que almoçar juntos! Telefona-me
que eu venho a Lisboa de propósito nesse dia... mas não tenho aqui nem papel nem esferográfica para te dar o número do meu telefone.
Não
precisa, diz-me ele... e um número de nove algarismos gritado no meio da rua foi
suficiente para que aquela cabeça, 81 anos feitos na 2ª feira anterior, o tivesse registado e, no fim de algumas semanas me estivesse a telefonar.
Um prodígio!... a sua inteligência, memória, modéstia, sentido de humor e, claro está, o
seu super-ouvido.
Desabafou
modestamente comigo:
- Quim! a minha cabeça de tanta coisa que guarda é um
autentico caixote de lixo.
- Caixote
de lixo???... - Então óperas inteiras, músicas de todo o estilo e género, vozes de dezenas ou
centenas de cantores, caracterizadas e classificadas, é lixo???...
O
Mário não tem computador e o próprio telefone é só para receber e fazer
chamadas. Não gosta das novas tecnologias, também, para quê, se ele tem um You
tube dentro de si?
Como
Director na Valentim de Carvalho, durante muitos anos, descobriu artistas, fez
artistas, ensinou-os a cantar, descobriu-lhes cantigas, fez-lhes outras, reportórios
inteiros:
- Marco
Paulo, António Variações, Carlos Paião, Paco Bandeira, Lara Li... e produziu discos
de Luís Góis, Fafá de Belém, Nuno da Câmara Pereira, José Cid, Júlio Pereira,
Jorge Palma, Alexandra... mas o Album de “O Nazareno”, de Frei Hermano da Câmara, foi
a sua mais complexa produção.
... Naturalmente,
que o sexto ouvido com que o Mário nasceu dotado, não iria servir só, em rapazinho, meu
vizinho e amigo de casa, apreciado e querido da minha mãe, para descobrir o número das máqui nas de comboio a vapor pelo som que elas faziam
sobre os carris...
Teria,
fatalmente, que o tornar, durante muitos anos, ao Serviço da Valentim de
Carvalho, a pessoa mais interveniente na música ligeira portuguesa e mais
importante na vida de muitos cantores para os quais terá sido decisivo.
Como
dizia a mãe de Jorge Amado: - “O meu filho nasceu com uma estrelinha”.... Tal como
o meu amigo Mário, adito eu, que tive a sorte de ter na minha infância a fazer magia.
NOTA - Mário Martins é um produtor português. Também foi da A&R e em várias editoras. (Da Wiquipédia)
NOTA - Mário Martins é um produtor português. Também foi da A&R e em várias editoras. (Da Wiquipédia)
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