sábado, maio 21, 2016

Assim Nasceu Portugal

A Vitória do Imperador

A Profecia da Normanda




Episódio Nº 13

















Coimbra, de 1131





Naquele novo ano, apesar de já saciado por Elvira, Afonso Henriques estava ainda desgostoso com Chamoa e por isso decidiu rumar ao sul e passar a Páscoa em Coimbra, levando a sua pequena corte com ele.

O príncipe admirava cada vez mais aquela povoação, a sua dimensão, o seu comércio, a sua agitação urbana e a forma como os habitantes, independentes e orgulhosos da sua autonomia, governavam a cidade em conjunto.

Havia em Coimbra um intenso respeito pelos muitos moçárabes que ali viviam, mas também por muçulmanos e judeus, apesar destes serem poucos.

Coimbra era a maior cidade do Condado e também a mais populosa acima do Tejo. Nem Santarém, nem em Lisboa, havia tanto povo a viver.

Para mais, desde que era regente do Condado, logo após a batalha de são Mamede, o príncipe revelara os seus dotes de bom governante e a situação dos habitantes melhorara, havendo desaparecido muitos dos mendigos que antes percorriam a região. Mesmo perante a dureza do último inverno, a fome não fustigara as gentes daquela terra.

Só uma inesperada e, a princípio, pequena querela veio perturbar a harmonia local. O bispo de Coimbra, de seu nome Bernardo, um culto francês há muitos anos vindo de Borgonha e que passava horas a escrever na Sé um livro sobre a vida de São Geraldo, mostrara forte relutância em aceitar a constante presença de Afonso Henriques na povoação que antes supervisionara sem concorrência.

Além disso, o bispo nutria forte antipatia pelos muitos cónegos e religiosos que pretendiam instalar-se na região, animados pela promessa de expansão do Condado para Sul e pela iminente luta contra os mouros abaixo do Mondego.

Homens como o prior Teotónio que deixara Viseu, ou o arcediago Telmo, estavam agora muitas vezes em Coimbra, descrevendo a peregrinação que haviam feito a Roma ou à Terra Santa, glorificando as vantagens da vida apostólica dos eremitas, o que muito irritava o bispo.

Certo dia, o príncipe, meu tio Ermígio Moniz, que era o mordomo-mor do Condado, Gonçalo de Sousa e eu, regressávamos de um passeio a cavalo a Montemor- o –Velho e ao entramos na cidade pela porta ocidental, a da Almedina, cruzámo-nos com o arcediago Telo e com João Peculiar, o mestre escola da Sé que no passado fora eremita nos vales do Douro.

Montados cada um na sua mula, eles preparavam-se para dar umas voltas fora das muralhas. Telo contava mais de cinquenta anos e os seus cabelos totalmente brancos, bem como a imponente presença física, geravam respeito em todos, embora se sentisse já, na postura quebrada e nas costas cansadas, o peso da idade e de uma saúde em perda.

Quanto ao seu acompanhante, eram conhecidas a sabedoria e a inteligência, e muitos previam um brilhante futuro para João Peculiar, cuja fina figura, nariz pronunciado, queixo pontiagudo e polpudas sobrancelhas, a que se juntava uma intencional careca, pois rapava o cabelo rente, compunham, no entanto, um conjunto pouco simpático que provocava receio nos menos firmes de espírito.

Realizados os cumprimentos, Afonso Henriques fixou o olhar na belíssima sela do animal de Telo e, não sendo capaz de conter a curiosidade, perguntou onde o outro a comprara.

- Em Montpelier, respondeu o religioso.


Descreveu-nos o seu recente périplo por longínquas paragens até à Cidade Santa de Jerusalém.

Site Meter