quinta-feira, maio 19, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)




EPISÓDIO Nº 150

























“Sabes tu, meu poeta, que no mundo inteiro existem apenas seis fábricas de dióxido de titânio? Que recentemente um juiz condenou à prisão os directores de uma delas, na Itália, pelo mal causado ao Mediterrâneo, pela poluição das águas e destruição da flora e da fauna marítimas? Sabes que nenhum país civilizado aceita no seu território essa monstruosa indústria? Que a empresa cuja presença ameaça o Brasil, não obteve autorização para erguer as sua chaminés malditas na Holanda, no México, no Egipto? Vade retro! Exclamaram os governantes recusando os imensos capitais, não somente por estrangeiros mas sobretudo por assassinos da atmosfera e das águas”.

Dona Carmosina descansa o jornal sobre o lençol, de alguma dessas coisas ela sabe, delas tomara conhecimento, lera nos jornais, mostrara inclusive ao Comandante Dário artigo em O Estado de São Paulo e juntos aplaudiram a sentença ditada por um juiz italiano, um porreta.

“Teus maravilhosos versos, poeta, sobre a praia de Mangue Seco serão amanhã os únicos testemunhos da beleza das límpidas águas, da areia fina, da riqueza dos cardumes de peixe, da valentia dos bravos da pesca, quando a Megera, elevando-se das chaminés das fábricas ali construídas, estender seus gadanhos de fumaça sobre as dunas. Toda a paz e beleza que cantaste em tantos poemas de amor vai apodrecer e acabar nos efluentes de sulfato ferroso e de ácido sulfúrico, nos gases do dióxido de enxofre, na poluição desmesurada.”

Meu Deus! sussurra dona Carmosina, sentindo um peso no peito, falta de ar.

"Apesar de ainda não terem obtido a necessária autorização do Governo Federal para o estabelecimento de tal indústria no país, os directores da recém organizada Brastânio: Indústria Brasileira de Titânio S.A. – de brasileira bem pouco ela tem, meu poeta, afora os testas-de-ferro – sabem de antemão que não lhes será permitido erguer suas fábricas nos estados do Sul. Voltam-se para o desditoso estado da Bahia, onde quatro zonas estão sendo objecto de estudo da Empresa, em busca de local onde instalar suas fatídicas chaminés. Técnicos e agentes espalham-se nas plagas grapiúnas, entre Itabuna e Ilhéus, no Recôncavo, para as bandas de Valença e há quem diga que até aos subúrbios da capital, nas imediações da Aremberque, estão sob sua mira. Tudo indica. Porém, que as preferências dos reis da poluição pendem para a região do litoral do estado, os coqueirais de Mangue Seco, a foz do rio Real.”

Todo o calor da tarde cai sobre dona Carmosina, lá fora o céu escurece.

Pobre Barbozinha: seu amigo Giovanni Guimarães a alertá-lo publicamente enquanto ele rima louvores aos donos da Brastânio, aos reis da poluição. Suprema ironia do destino! Clama dona Carmosina espantando as moscas.

- Precisa de alguma coisa, Carmô? – a voz de dona Milú da porta da rua.

- Nada, Mãe.

"A região grepiúna é rica, meu poeta, pesa nos destinos da economia nacional, tem forças para impedir a ameaça a seu mar, ao rio Cachoeira, a própria lavoura do cacau, fonte importante de divisas. O mesmo pode dizer-se do Recôncavo, menos rico mas defendido pelos restos do prestígio político dos barões da cana-de-açucar, decadentes, porém barões.

Quanto a Arembepe, seria sem dúvida o local perfeito do ponto de vista dos empresários, devido à proximidade da capital, às vias de comunicação, ao lado do Centro Industrial de Aratu, mas nenhum governo, por mais discricionário, se atreverá a conceder autorização para que seja poluída a cintura da cidade, acabando com a pesca, tornando as praias impraticáveis, expulsando os turistas, empestando a própria capital do Estado. Ah! meu poeta, resta apenas o município de agreste, esquecido de Deus e dos homens, desprotegido da sorte. O habitat da Maldita será Mangue Seco. Atenção, poeta! Vão aparecer por aí, se já não apareceram, os emissários da poluição, prometendo mundos e fundos, falando em progresso e riqueza, mas é a morte que eles conduzem em sua pasta repleta de moedas estrangeiras."

Empapada de suor, dona Carmosina chega ao fim da crónica de Giovanni Guimarães. Escuta ao longe a voz de dona Milú conversando na porta com uma vizinha. Lê as últimas linhas:

“ Ergue a voz, poeta, toma da lira e desfere um grito de protesto, defende a paz e a beleza do teu rincão de sonho, desperta a cólera do povo e impede que a poluição se instale sobre as colinas e praias, desça ao fundo das águas, cubra de negro o céu diáfano de Agreste.”

A crónica termina repetindo a mesma grave advertência do começo:

Teu paraíso está ameaçado de morte, poeta!”

Dona Carmosina, as mãos trémulas, o coração descompassado, levanta-se, esquecida da gripe, veste-se às carreiras e, sem dar qualquer explicação a dona Milú, além do aviso: volto logo, sai porta fora, o jornal em punho, em busca de Barbozinha. A essa hora o poeta costuma estar no bar, peruando o jogo de bilhar ou a partida de gamão entre Chalita e Plínio Xavier. Mas quem ela encontra no começo da rua da Frente é o comandante Dário que pergunta ao avistá-la:

- Aonde vai assim correndo, minha boa Carmosina? – aproximando-se constata a alteração da amiga, lembra-se que ela devia estar na cama, se assusta – sucedeu alguma coisa?

Dona Carmosina estende-lhe o jornal:

- Leia.

- Com mil demónios!

Ali mesmo, parado, no meio da rua, o Comandante devora a crónica. Interrompe a leitura, pragueja:

- Com mil demónios!

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