(Domingos Amaral)
Episódio Nº 82
Em teoria, Lisboa fazia
parte da kura de Badajoz e o seu
território tal como o de Santarém e Alcácer, estava incluído nessa taifa, mas a
verdade é que, ao contrário dessas duas povoações, ali ninguém mandava e mesmo
o califa almorávida parecia uma entidade distante e, perante as circunstâncias,
de invocação inútil.
Aquela massa de gente, na
maioria itinerante e passageira, governava-se a si própria e ignorava as ordens
vindas de Marraquexe ou de Badajoz.
Quando um mais distraído
comerciante perguntava ao almoxarife para quem eram a dízima ou as portagens
que pagava obtinha a resposta de sempre: para
Lisboa.
Já próximo dom seu poiso,
Mem ouvira uma rapariga oferecida assobiar-lhe. Ao observá-la, concluíra que um
corpo tão enxuto e um ar tão triste, não tinham hipóteses contra as outras
soldadeiras, mais exuberantes, polpudas ou mandonas.
Mulher magricela ninguém trata dela...
De certo era por isso que
ela atacava ali, nas margens da cidade, onde só vinham os desesperados.
- Quereis que vos chupe? –
perguntou a rapariga.
Sob o luar, Mem teve pena
daquela rapariga de voz rouca. Ela tinha a cara marcada com cicatrizes e era
quase desprovida de seios, por baixo do trapo velho que a cobria.
- Obrigado, mas não –
respondeu.
- Faço milagres com a língua
e tenho a fenda quente à vossa espera.
Sem saber bem porquê, Mem
justificara-se: estava bem servido em Coimbra, com uma rapariga que estimava.
- É cristã? – perguntara a
magricela aproximando-se.
Talvez com saudades de
Zaida, Mem sentira vontade de recordá-la e descrevera à soldadeira o seu
enamoramento por uma princesa moura, prisioneira dos cristãos há anos, mas
nascida em Córdova.
Para seu enorme espanto, a
criatura perguntara-lhe:
- A Fátima ou a Zaida?
De olhos esbugalhados, Mem
interrogara a soldadeira que, por ter vivido uns anos no Condado Portucalense,
se recordava daquelas belas raparigas mouras, cativas há tanto tempo.
Em Coimbra todos as
conhecem.
Curioso, o almocreve qui sera prolongar a conversa, mas a magra
soldadeira, que era esperta, dissera logo que não era paga para isso. Então,
Mem ofereceu-lhe umas moedas para a convencer a falar.
Fugi porque me maltrataram.
Os cristãos abusaram de mim, era eu pequena. Até os da minha família.
Mem comoveu-se. Como muitas
a quem os próprios pais, irmãos ou tios usavam desde meninas, acabara naquele
sujo ofício.
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