(Mia Couto)
Episódio Nº 16
Ele acenou afirmativamente com a cabeça. Era por saber
isso que ele estava ali, sentado a meu lado. Então, ele me perguntou:
- Vim aqui
lhe pedir uma coisa. Você sabe onde fica o Fundo da China?
- Esse fundão, lá no meio do mar?
- Eu quero que você vá lá, cada semana vá
lá. E leve comida e água de beber. Deixe isso no fundo. Faça isso da minha
parte. Promete?
- Prometo.
E explicou-me: única razão que lhe dava força para
viver era essa lembrança. Nas funduras do Fundo da China se extinguira aquela
que ele amara, aquela para que tivera olhos.
- Sabe? Esse anzol todo que abençoo.
Tudo é mentira. Só finjo dar as boas sortes para que essa isca, essas coisas
que ajunto nos anzóis, desçam lá nos fundos e não voltem.
- E as coisas que o senhor prende no
anzol?
- São prendas que destino na falecida. É
para ela. Tudo aqui lo é para ela. São
minhas prendas.
Sexto Capítulo
Nessa tarde, eu me varandeava, olhando o oceano. Não é
que eu olhasse para aquele todo azul. O mar levava os meus sonhos a passear. E
eu ficava cego para lembranças, sempre recém –nascente. Assim, no velho degrau da minha varanda, não
estava calado – era eu o próprio silêncio, embalado a Índico.
De repente, o piar de uma gaivota me alertou. Meus
nervos ficaram em arco, disparei que nem flecha. A pedra saiu-me da mão com
raiva.
- Ei, Perpétuo! Quase me acertava.
Era a vizinha. Dona Luarmina sempre qui sera o motivo de eu me dedicar na matança das
gaivotas. Coitados, dizia ela, são pássaros cheios de brancura, enfeitando o céu
de sonhos marinhos. Mas porquê, Zeca, por que essa raiva? Sendo um homem de
abarrotar coração, como podia empreender tamanha maldade nos inocentes bichos?
- Não posso explicar.
- E porquê?
-
Porque é um segredo, Dona Luarmina.
- Pensei que só mulher escondia segredo.
Sorri. Aqui lo
era rasteira para fazer tropeçar machices. Um segredo o que é? Um segredo é uma
laranja de um só gomo. A gente come aquele gomo e fica a casca forrando o
vazio.
Eu já havia experimentado aquele amargo de segurar um
fruto sem dentro, cascas areiando entre os dedos.
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