Um quarto dos portugueses acredita que com a morte tudo acaba. De acordo com os dados de um estudo da socióloga da Universidade do Porto, Helena Vilaça, entre estes, 10% são de católicos que vão com regularidade à missa e 26% ocasionalmente.
Ora isto não faz sentido. Qualquer brecha no dispositivo da fé
derruba uma religião, a católica ou qualquer outra.
Uma religião é um conjunto de dogmas que não se explicam, não
são suscept íveis de serem entendidos
pela razão e que precisam da fé para serem aceites e seguidos. Por isso, a
Igreja chama-lhe o “mistério” da fé conferindo-lhe um aspecto transcendental
ligado a Deus e a crença em Deus é a essência das religiões. Tu acreditas
porque Deus “te manda acreditar” e, na verdade, as pessoas sentem-se impelidas
a acreditar.
No entanto, nenhum daqueles dogmas faz sentido à luz da
nossa inteligência e as próprias religiões, que desde sempre têm dividido os
homens, estão na base de incontáveis guerras, ódios profundos e sofrimentos
atrozes ao longo de toda a história da humanidade.
Vemos numerosos grupos de pessoas, que em determinadas regiões
chega à totalidade, a defender crenças que contradizem completamente factos
cientificamente demonstrados, bem como as religiões rivais seguidas por outros.
As pessoas não só nutrem por essas crenças uma certeza veemente como também
fazem tudo por elas, incluindo morrer e matar.
Por quê?
Centremos a nossa atenção nas crianças. Mais do que em qualquer
outra espécie, nós sobrevivemos através da experiência acumulada pelas gerações
anteriores e essa experiência precisa de ser transmitida às crianças, para a
sua protecção e bem-estar.
Teoricamente, as crianças podem aprender, através da experiência
pessoal que não devem aproximar-se de um penhasco porque podem cair, que não
devem comer bagas vermelhas desconhecidas porque podem ser envenenados, que não
devem nadar em rios infestados de crocodilos porque podem ser comidos por eles.
Tudo isto, elas podem aprender mas à custa de quantas vidas?
Num período longo de milhões de anos em que a sobrevivência dos
nossos remotos antepassados era de tal maneira difícil que o risco da
eliminação da própria espécie era uma realidade demasiado próxima, essa
aprendizagem com o custo em vidas que acarretava teria, muito provavelmente,
sido suficiente para o nosso desaparecimento da face da Terra.
Os processos de seleção que se aplicam a todos os seres vivos
começaram a dar vantagem a todas as crianças cujo cérebro continha a seguinte
regra prática: acredita sem hesitações em tudo o que os adultos te disserem,
obedece aos teus pais, ao chefe da tua tribo, sobretudo quando falam num tom
grave e ameaçador. Confia nos mais velhos sem contestar.
Esta regra tão valiosa para as crianças acabou, mais tarde, por
dar maus resultados mas então o mecanismo do acreditar, a fé, o tal mistério da
fé, já se tinha constituído num mecanismo do nosso cérebro.
Depois foi fácil e possível às mesmas crianças passarem a
acreditar que “tinham de sacrificar uma cabra durante a lua cheia para que a
chuva viesse” mesmo que isto constitua um desperdício de tempo e de cabras.
Ambos os avisos parecem igualmente dignos de confiança, ambos
provêm de uma fonte respeitável e são proferidos com grave seriedade que
inspira respeito e exige obediência. O mesmo se aplica às questões que lhe são
ditas sobre o mundo, o cosmo, os princípios morais e a natureza humana. Mais tarde,
quando essas crianças tiverem filhos, muito provavelmente, irão transmitir-lhes
tudo o que receberam – quer o bom senso, quer o disparate – e fá-lo-ão,
igualmente, com toda a naturalidade usando o mesmo ar grave e persuasivo.
A época em que hoje vivemos, com a democratização do ensino e o
desenvolvimento do espírito crítico e do conhecimento científico, torna cada
vez mais difícil aos católicos acreditar em todos os dogmas da Igreja e a morte
para além da vida, a “vida eterna”, por arrastamento a Ressurreição de Cristo e
tudo o resto, os pilares essenciais do cristianismo, desmoronam-se.
Um quarto dos portugueses acredita que com a morte tudo acaba,
entre eles estão muitos católicos, 10% dos que vão à missa regularmente e 26%
nem tanto assim.
Perante estes dados, António Janela que é o Diretor do
Instituto Diocesano de Formação Cristã afirma que: “à luz da fé isto não faz
sentido mas eu sei que há muita confusão na cabeça das pessoas”…
As pessoas hoje, na nossa sociedade, estão em melhores condições
de distinguir, na herança recebida, o que é de bom senso e o que é disparate,
entre o que é “não nadar nos rios infestados de crocodilos” e o “cortar a
cabeça à cabra em noite de lua cheia para que chova”.
Será uma crise no mecanismo da fé nos nossos cérebros? Uma
ligeira avaria no dispositivo do acreditar ou, simplesmente, estão criadas as
condições para que a razão se imponha à parte do irracional da fé?
Se assim for, as religiões, e estou a pensar na católica, não
conseguirá sobreviver facilmente com a crítica dos seus seguidores porque uma
religião, seja ela qual for, pressupõe obediência e disciplina totais, cegas,
diria mesmo.
A pouco e pouco ficará apenas a crença num Deus, Ser Supremo que
terá estado na origem da Criação como uma espécie de “salvado” do que foi um
mecanismo do processo de seleção que cumpriu o objectivo para que foi criado e
a prová-lo aí estão todos esses biliões de pessoas que hoje povoam a terra.
Pessoalmente, gostaria muito mais de me sentir como um filho de
Deus mas isso seria um atentado à minha razão e a tudo quanto aprendi. Com
muito “desgosto” meu vou ter que me contentar em ser descendente de um macaco
que ainda por cima, mesmo com toda a sua habilidade, teve muita sorte por ter
conseguido chegar até mim.
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