A vida das pessoas divide-se em duas
partes: na primeira, vive-se, na segunda, recorda-se aqui lo
que se viveu, de acordo com critérios selectivos que a nossa própria mente
estabelece, eliminado umas coisas, realçando outras que ficam como sendo as
nossas memórias.
Ontem, tive a percepção nítida de que é
assim. Almocei com 20 camaradas meus que há 52 anos desembarcaram no porto da
Rocha de Conde de Óbidos, em Lisboa, do navio Vera Cruz, depois de termos
passado 25 meses em Angola, nesse belo continente africano a Sul do Equador, num
autêntico desafio de recordações de acontecimentos de outros tempos, uns
guardados com muita nitidez, outros já esbatidos por tantos invernos,
entretanto já passados.
Felizmente, tive a sorte de ainda ter
vivido em paz nessa parte Leste da fronteira de Angola, desenhadas a régua e
esquadro por Gago Coutinho, que percorri no “meu” Jipe Willys, perante a passividade
das manadas de gnus que viam pela primeira vez aqueles outros bichos esqui sitos que tinham rodas em vez de patas e nos
ficavam a olhar, cabeça levantada, como que interrogando-se: - “quem serão
aqueles?...”
Adorei o continente africano naquela
zona do planalto que se prolonga de Sul a Norte onde, todos os anos, começava a
chover a 15 de Março, deixando na terra aquele cheiro vivificador quando o
inspiramos profundamente, e que faz nascer a erva para felicidade das mandas de
herbívoros na transição da estação seca para a de chuva.
Adoro aquele cheiro da terra logo a seguir à chuva a lembrar-nos que somos terra e em terra nos havemos de transformar... como se falasse connosco. Infelizmente, o homem com as suas estúpidas guerras e modernices, perturba todo este belo cenário natural de harmonia que nenhuma obra de engenharia consegue ultrapassar e por isso o recurso aos Parques Naturais dos quais, o continente africano, é a grande referência, a grande obra prima da natureza que nos transmite equilíbrio e regresso às nossas origens.
Como dizia o turista americano de visita a Moçambique, ajoelhando em frente de uma enorme manada de animais selvagens: - "Só falta aqui a arca de Noé..."
Adoro aquele cheiro da terra logo a seguir à chuva a lembrar-nos que somos terra e em terra nos havemos de transformar... como se falasse connosco. Infelizmente, o homem com as suas estúpidas guerras e modernices, perturba todo este belo cenário natural de harmonia que nenhuma obra de engenharia consegue ultrapassar e por isso o recurso aos Parques Naturais dos quais, o continente africano, é a grande referência, a grande obra prima da natureza que nos transmite equilíbrio e regresso às nossas origens.
Como dizia o turista americano de visita a Moçambique, ajoelhando em frente de uma enorme manada de animais selvagens: - "Só falta aqui a arca de Noé..."
Voltando ao meu almoço de ontem, observando
os meus colegas e percebo, como senão o soubesse, que o tempo não perdoa, como
se costuma dizer, e aqueles jovens elegantes que eu conheci há mais de meio século
e com quem convivi, de faces lisinhas, estão agora gordos, alguns o dobro do
que eram, outros já com pouco cabelo, em parte desdentados, com rugas, em
resumo, envelhecidos, carregando todos eles as vidas que já viveram.
Faltaram muitos. Por isto ou por aqui lo, desde as dores que já não deixam mexer bem, à
falta de dinheiro para os transportes, ou ainda porque já não sentem vontade de
vencer a resistência ao incómodo para reviver esse passado cada vez mais longínquo,
nas pessoas de todos aqueles outros velhotes em que nos transformamos.
Gosto, no entanto, nestes almoços
anuais, de pensar naqueles que não tendo sido vencidos pela guerra vão agora,
um a um, caindo pela lei natural da vida e que ainda, no ano anterior ou no
outro, ali estavam a almoçar connosco.
Não foram as balas do inimigo de então
mas as balas dos anos que os mataram e que também irão acertar em cada um de nós
em dia de especial pontaria até que mais nenhum de fique para almoçar com quem.
São almoços que promovemos anualmente
numa espécie de desafio ao tempo de quem irá acabar primeiro: eles, os anos, ou
nós?...
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