segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Deus pode tudo, Capitão.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 169


















Dantes não dava pé porque as roças ainda tavam crescendo. Já pensou, compadre, essas roças todas carregadas? É um mundo sem porteira.

Tocaia Grande vai deixar de ser uma tapera, um lugarejo. Já e já passa Taquaras para trás. Escreva no papel, se duvidar.

- Deus pode tudo, Capitão. Quando é que o nobre amigo vai arrumar os sergipanos?

- Qualquer dia desses, Fadul. Quando menos se esperar. Assim dissera de manhã, ao passar por Tocaia Grande vindo da Fazenda da Atalaia.

Quando menos se esperar: parecia mesmo de propósito, coisa combinada. Pena não poder ver a cara do turco à chegada do rancho: o espanto, os gestos, o vozeirão.

O diálogo com Deus sobre a singular coincidência. O Deus de Fadul Abdala era um ente próximo, quase membro da família, amigo poderoso porém íntimo, sócio nos negócios.

O Capitão estimava Fadul, turco ladino, bom de prosa e de folgança, comerciante astuto, uma fera no trabalho: mascate afamado nas roças e fazendas, continuavam a lastimar sua falta.

Enxergando longe, estabelecera-se em Tocaia Grande no entusiasmo do crescente movimento de tropas e passantes. Atravessara sem uma queixa o tempo das vacas magras, suportara as sete pragas sem arrepiar caminho, alegre compadre e companheiro.


A FAMÍLIA DE SERGIPANOS CHEGA A TOCAIA
GRANDE E O CAPITÃO NATÁRIO DA FONSECA INICIA
A CONSTRUÇÃO DE CASA PRÓPRiA

1

A manhã ia alta e as duas raparigas, a velha Jacinta Coroca e a moça Bernarda, calentavam o sol do verão na porta da casa de madeira mandada construir por ordem do capitão Natário da Fonseca.

Jacinta remendava trapos de vestir; Bernarda penteava a negra e basta crina, seus cabelos eram belos e ela o sabia.

Examinava-os fio por fio, em busca de lêndeas.

Desviando a atenção da delicada tarefa de renovar a linha na agulha, Coroca olhou de través para a companheira, rompeu o silêncio e a quietude:

- Mulher da vida que emprenha não tem competência. Mais valia ter ficado na roça quebrando coco de cacau.
Disse em voz baixa, apenas audível. Em voz baixa prosseguiu na conversa de sotaque, compassado resmungo; a vista presa à costura, como se falasse para si própria e para mais ninguém.

Da mesma maneira Bernarda a ouvia; como se nada ouvisse e ainda perdurasse o sossego da manhã.

- Por que diabo ela havia de pegar barriga? Vai ver e ela nem sabe quem é o pai do desinfeliz. Sabe coisa nenhuma!

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