Disturbios em Moçambique
Distúrbios em Moçambique
No passado dia 5 registaram-se distúrbios na cidade de Maputo em resposta ao agravamento dos preços dos transportes públicos que constituiu a gota de água que fez transbordar o copo da insatisfação das populações depois de um recente aumento do preço do pão.
Os protestos populares revestiram-se de violência com estradas cortadas, pneus a arder, assaltos a lojas, tentativa de assalto a Bancos, tiros, pessoas a correr, enfim, uma enorme confusão por todo o lado que começou logo de manhã quando as populações tentavam começar as suas vidas.
As pessoas reagem mal e violentamente quando, no limite das dificuldades para sobreviver no dia a dia, são surpreendidas por mais um aumento no preço de um bem essencial na sequência de outros que já aconteceram e que aparece sem um aviso, uma explicação, uma palavra, uma contrapartida que possa ajudar por qualquer outro lado.
O governo de Moçambique apercebeu-se da gravidade da situação e reagiu com medo, assustado, porque estas súbitas explosões de violência social sabe-se como comecem mas não se sabe como podem acabar e até onde podem ir.
Em primeiro lugar, proibiu a divulgação pela rádio e televisão das notícias e imagens do que estava a acontecer pondo no ar, em substituição, logo a partir das 10h00 da manhã, telenovelas e os jogos de futebol da Taça das Nações;
Depois, entrou em negociações tendo em vista a suspensão dos aumentos, eventualmente destinados a serem substituídos por futuros subsídios à empresa de transportes, enquanto que, na cidade da Beira, nem sequer entraram em vigor com receio do que tinha acontecido em Maputo.
Este episódio retrata as dificuldades da vida de um país que eu não só vi nascer como festejei o seu nascimento a 15 de Junho de 1975, na cidade da Beira, onde então trabalhava como funcionário público.
O então Governador de Distrito da Beira, do Governo de Transição da Frelimo, Cangela de Mendonça, convidou-me para integrar um grupo que organizasse a parte desportiva dos Festejos da Independência na cidade e esta circunstância permitiu-me viver por dentro essa data histórica e testemunhar os vários estados de espírito das pessoas.
Os moçambicanos tinham espelhado nos rostos a alegria, a esperança, o orgulho do momento que estavam a viver, enquanto que os portugueses que tinham decidido ficar, mostravam, na maioria dos casos, expectativa e receio.
Muitos deles preferiram mesmo passar esse dia nos arredores da cidade temendo que a sua presença pudesse ser entendida como provocação, mas tudo aconteceu pacificamente… digamos que “as dores daquele parto” só viriam a acontecer mais tarde.
A pior dessas “dores”, e não estou a pensar nos portugueses que, naquela “peça”, eram já actores com um papel secundário, foi a guerra civil que durou de 1976 a 1992 tendo acabado com o Acordo Geral de Paz assinado com a Renamo e na sequencia do qual Moçambique adoptou o pluripartidarismo político tendo tido lugar, as primeiras eleições, em 1994.
A Democracia resultou de uma evolução na organização política das sociedades e correspondeu a um anseio superior das populações sendo, a alternância no poder dos partidos em presença, através do voto expresso, livre e voluntário dos cidadãos, a principal “pedra de toque”deste sistema.
A Democracia é muito exigente do ponto de vista dos comportamentos cívicos e da adopção espontânea de normas de conduta porque, em matéria de governação, o que é mesmo fácil é um a mandar e os restantes a obedecer…a bem ou a mal.
Nos países emergentes do processo de descolonização africano tem sido notória a falência das instituições e a guerra civil em Moçambique, mais do que a guerra colonial, foi a principal responsável pelo “Ranking”que chegou a ter do País mais pobre do mundo.
Após muitos anos da presença colonialista dos portugueses ao longo dos quais as populações foram desprezadas e humilhadas nas suas pessoas e instituições, receberam, na hora da emancipação, vários presentes envenenados:
-Uma linha de fronteira que, tal como a de todos os novos países emergentes da descolonização, não levou em linha de conta a realidade social e política existente em África;
- Uma divisão política e administrativa do território que não foi feita a pensar neles;
- Teias de interesses económicos instalados à sombra do sistema colonial e que não desistiram facilmente;
- Uma herança de saberes da potência colonizadora que, intencionalmente, não foi para além do ler e escrever, uns ofícios que lhes permitissem ser úteis e a “preciosa” informação de que também eles eram descendentes de D. Afonso Henriques…excepção feita ao Dr. Domingos Arouca, primeiro moçambicano licenciado em Direito, homem bom, perseguido e preso pela PIDE, e com quem me cruzei no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, onde ele trabalhava para ajudar a custear os estudos;
- Líderes que impuseram soluções que não se lhes ajustavam e que mais tarde, de heróis da luta armada e da independência, se transformaram em tiranos corruptos agarrados ferozmente ao poder com a notável excepção do Presidente Joaquim Chissano.
Mas há que referir um outro presente envenenado, este da responsabilidade da Frelimo, que “empurrou” para fora do país os portugueses dispostos a ficar e a trabalhar honestamente, criando um vazio que provocou o colapso total do aparelho produtivo.
Este erro foi mais tarde reconhecido pelo Presidente Machel quando, anos depois, aconselhou o seu amigo Robert Mugabe a não fazer o mesmo relativamente aos ingleses, também eles, elementos indispensáveis do sistema produtivo do Zimbabué.
A presença dos europeus no continente africano foi uma fatalidade porque, acima de tudo, não permitiu que as comunidades e as suas instituições pudessem ter feito o seu curso natural, autónomo, a partir de uma dinâmica da exclusiva responsabilidade dos seus povos inter agindo uns com os outros dentro e fora do seu continente.
Durante muitos anos, debaixo do total domínio dos europeus, foi-lhes retirada a possibilidade de serem eles a traçar o seu próprio destino e quando o retomaram “estava tudo de pernas para o ar nas suas vidas”.
Hoje, em Moçambique, como em todos os restantes novos países, o grande problema é o da produção de riqueza porque uma sociedade não pode ser consumidora senão for igualmente produtora, a menos que tenha tantas reservas de petróleo que lhe permita comprar tudo o que precisa ou lhe apetece como sucede em certos países árabes.
Dramaticamente, as populações dos novos estados africanos vivem hoje, do ponto de vista material, pior do que quando na situação de colonizadas.
O grande motor da produção da riqueza foi o capitalismo, a economia de mercado, a livre iniciativa, a ambição, o esforço e o engenho das pessoas que se envolveram neste processo que começou na Europa, no século XVIII, com a revolução industrial em Inglaterra, e se espalhou pelo mundo a partir de meados do século XIX com o liberalismo económico, a acumulação de capital e uma série de invenções fundamentais como a máquina a vapor e o motor de explosão.
Infelizmente, o sistema capitalista, tão eficaz na produção da riqueza já não o foi, nem é, no capítulo da sua distribuição e por isso, o enriquecimento nas nossas sociedades ocidentais não foi, em grande parte, sinónimo do desenvolvimento que lhe devia estar subjacente pela criação de sociedades com maior justiça e igualdade social.
Os países africanos, por seu lado, debatem-se com os dois problemas, o da produção da riqueza e o da sua distribuição, excepção feita àquela riqueza disponível constituída pelas florestas, minérios, diamantes, petróleo que acaba, quase toda ela, no bolso das elites ligadas ao poder.
Entretanto, as populações, seduzidas pelos atractivos da sociedade de consumo e por outros fenómenos, continuam a abandonar as aldeias, as formas tradicionais de vida, as suas economias de base familiar, para engrossarem os contingentes das cidades, vivendo nos subúrbios como párias, marginais, disponíveis para toda a espécie de expedientes que lhes permita sobreviver.
E isto constitui uma grande diferença relativamente ao que aconteceu na Europa em que o processo de esvaziamento do mundo rural foi muito mais lento e provocado pelo próprio fenómeno industrial que necessitava de mão-de-obra para trabalhar nas fábricas, e embora num regime de exploração desenfreada, ele não pôde conter as lutas que tiveram lugar pela melhoria das condições de trabalho e o nascimento de um espírito de classe operária imprescindível a toda a dinâmica que esteve na base das sociedades modernas.
Em todos estes movimentos estiveram ausentes as populações africanas cujo esforço, a partir do início da década de sessenta foi, compreensivelmente, canalizado para as lutas a favor das respectivas independências que, uma vez conseguidas, têm sido muito mal geridas por disputas consecutivas do poder na base de divisões tribais renascidas após a liberdade.
Eu tenho um especial carinho por Moçambique e embora tenha saído de lá ao fim de apenas três anos de presença, em Setembro de 1975, direitinho ao Quadro Geral de Adidos com “uma mão à frente e outra atrás”, como costuma dizer-se, considero que esses três anos, por tudo o que vivi, tanto me pertencem a mim como à história, porque foram os momentos mais altos da minha vida e da vida de Moçambique.
No passado dia 5 registaram-se distúrbios na cidade de Maputo em resposta ao agravamento dos preços dos transportes públicos que constituiu a gota de água que fez transbordar o copo da insatisfação das populações depois de um recente aumento do preço do pão.
Os protestos populares revestiram-se de violência com estradas cortadas, pneus a arder, assaltos a lojas, tentativa de assalto a Bancos, tiros, pessoas a correr, enfim, uma enorme confusão por todo o lado que começou logo de manhã quando as populações tentavam começar as suas vidas.
As pessoas reagem mal e violentamente quando, no limite das dificuldades para sobreviver no dia a dia, são surpreendidas por mais um aumento no preço de um bem essencial na sequência de outros que já aconteceram e que aparece sem um aviso, uma explicação, uma palavra, uma contrapartida que possa ajudar por qualquer outro lado.
O governo de Moçambique apercebeu-se da gravidade da situação e reagiu com medo, assustado, porque estas súbitas explosões de violência social sabe-se como comecem mas não se sabe como podem acabar e até onde podem ir.
Em primeiro lugar, proibiu a divulgação pela rádio e televisão das notícias e imagens do que estava a acontecer pondo no ar, em substituição, logo a partir das 10h00 da manhã, telenovelas e os jogos de futebol da Taça das Nações;
Depois, entrou em negociações tendo em vista a suspensão dos aumentos, eventualmente destinados a serem substituídos por futuros subsídios à empresa de transportes, enquanto que, na cidade da Beira, nem sequer entraram em vigor com receio do que tinha acontecido em Maputo.
Este episódio retrata as dificuldades da vida de um país que eu não só vi nascer como festejei o seu nascimento a 15 de Junho de 1975, na cidade da Beira, onde então trabalhava como funcionário público.
O então Governador de Distrito da Beira, do Governo de Transição da Frelimo, Cangela de Mendonça, convidou-me para integrar um grupo que organizasse a parte desportiva dos Festejos da Independência na cidade e esta circunstância permitiu-me viver por dentro essa data histórica e testemunhar os vários estados de espírito das pessoas.
Os moçambicanos tinham espelhado nos rostos a alegria, a esperança, o orgulho do momento que estavam a viver, enquanto que os portugueses que tinham decidido ficar, mostravam, na maioria dos casos, expectativa e receio.
Muitos deles preferiram mesmo passar esse dia nos arredores da cidade temendo que a sua presença pudesse ser entendida como provocação, mas tudo aconteceu pacificamente… digamos que “as dores daquele parto” só viriam a acontecer mais tarde.
A pior dessas “dores”, e não estou a pensar nos portugueses que, naquela “peça”, eram já actores com um papel secundário, foi a guerra civil que durou de 1976 a 1992 tendo acabado com o Acordo Geral de Paz assinado com a Renamo e na sequencia do qual Moçambique adoptou o pluripartidarismo político tendo tido lugar, as primeiras eleições, em 1994.
A Democracia resultou de uma evolução na organização política das sociedades e correspondeu a um anseio superior das populações sendo, a alternância no poder dos partidos em presença, através do voto expresso, livre e voluntário dos cidadãos, a principal “pedra de toque”deste sistema.
A Democracia é muito exigente do ponto de vista dos comportamentos cívicos e da adopção espontânea de normas de conduta porque, em matéria de governação, o que é mesmo fácil é um a mandar e os restantes a obedecer…a bem ou a mal.
Nos países emergentes do processo de descolonização africano tem sido notória a falência das instituições e a guerra civil em Moçambique, mais do que a guerra colonial, foi a principal responsável pelo “Ranking”que chegou a ter do País mais pobre do mundo.
Após muitos anos da presença colonialista dos portugueses ao longo dos quais as populações foram desprezadas e humilhadas nas suas pessoas e instituições, receberam, na hora da emancipação, vários presentes envenenados:
-Uma linha de fronteira que, tal como a de todos os novos países emergentes da descolonização, não levou em linha de conta a realidade social e política existente em África;
- Uma divisão política e administrativa do território que não foi feita a pensar neles;
- Teias de interesses económicos instalados à sombra do sistema colonial e que não desistiram facilmente;
- Uma herança de saberes da potência colonizadora que, intencionalmente, não foi para além do ler e escrever, uns ofícios que lhes permitissem ser úteis e a “preciosa” informação de que também eles eram descendentes de D. Afonso Henriques…excepção feita ao Dr. Domingos Arouca, primeiro moçambicano licenciado em Direito, homem bom, perseguido e preso pela PIDE, e com quem me cruzei no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, onde ele trabalhava para ajudar a custear os estudos;
- Líderes que impuseram soluções que não se lhes ajustavam e que mais tarde, de heróis da luta armada e da independência, se transformaram em tiranos corruptos agarrados ferozmente ao poder com a notável excepção do Presidente Joaquim Chissano.
Mas há que referir um outro presente envenenado, este da responsabilidade da Frelimo, que “empurrou” para fora do país os portugueses dispostos a ficar e a trabalhar honestamente, criando um vazio que provocou o colapso total do aparelho produtivo.
Este erro foi mais tarde reconhecido pelo Presidente Machel quando, anos depois, aconselhou o seu amigo Robert Mugabe a não fazer o mesmo relativamente aos ingleses, também eles, elementos indispensáveis do sistema produtivo do Zimbabué.
A presença dos europeus no continente africano foi uma fatalidade porque, acima de tudo, não permitiu que as comunidades e as suas instituições pudessem ter feito o seu curso natural, autónomo, a partir de uma dinâmica da exclusiva responsabilidade dos seus povos inter agindo uns com os outros dentro e fora do seu continente.
Durante muitos anos, debaixo do total domínio dos europeus, foi-lhes retirada a possibilidade de serem eles a traçar o seu próprio destino e quando o retomaram “estava tudo de pernas para o ar nas suas vidas”.
Hoje, em Moçambique, como em todos os restantes novos países, o grande problema é o da produção de riqueza porque uma sociedade não pode ser consumidora senão for igualmente produtora, a menos que tenha tantas reservas de petróleo que lhe permita comprar tudo o que precisa ou lhe apetece como sucede em certos países árabes.
Dramaticamente, as populações dos novos estados africanos vivem hoje, do ponto de vista material, pior do que quando na situação de colonizadas.
O grande motor da produção da riqueza foi o capitalismo, a economia de mercado, a livre iniciativa, a ambição, o esforço e o engenho das pessoas que se envolveram neste processo que começou na Europa, no século XVIII, com a revolução industrial em Inglaterra, e se espalhou pelo mundo a partir de meados do século XIX com o liberalismo económico, a acumulação de capital e uma série de invenções fundamentais como a máquina a vapor e o motor de explosão.
Infelizmente, o sistema capitalista, tão eficaz na produção da riqueza já não o foi, nem é, no capítulo da sua distribuição e por isso, o enriquecimento nas nossas sociedades ocidentais não foi, em grande parte, sinónimo do desenvolvimento que lhe devia estar subjacente pela criação de sociedades com maior justiça e igualdade social.
Os países africanos, por seu lado, debatem-se com os dois problemas, o da produção da riqueza e o da sua distribuição, excepção feita àquela riqueza disponível constituída pelas florestas, minérios, diamantes, petróleo que acaba, quase toda ela, no bolso das elites ligadas ao poder.
Entretanto, as populações, seduzidas pelos atractivos da sociedade de consumo e por outros fenómenos, continuam a abandonar as aldeias, as formas tradicionais de vida, as suas economias de base familiar, para engrossarem os contingentes das cidades, vivendo nos subúrbios como párias, marginais, disponíveis para toda a espécie de expedientes que lhes permita sobreviver.
E isto constitui uma grande diferença relativamente ao que aconteceu na Europa em que o processo de esvaziamento do mundo rural foi muito mais lento e provocado pelo próprio fenómeno industrial que necessitava de mão-de-obra para trabalhar nas fábricas, e embora num regime de exploração desenfreada, ele não pôde conter as lutas que tiveram lugar pela melhoria das condições de trabalho e o nascimento de um espírito de classe operária imprescindível a toda a dinâmica que esteve na base das sociedades modernas.
Em todos estes movimentos estiveram ausentes as populações africanas cujo esforço, a partir do início da década de sessenta foi, compreensivelmente, canalizado para as lutas a favor das respectivas independências que, uma vez conseguidas, têm sido muito mal geridas por disputas consecutivas do poder na base de divisões tribais renascidas após a liberdade.
Eu tenho um especial carinho por Moçambique e embora tenha saído de lá ao fim de apenas três anos de presença, em Setembro de 1975, direitinho ao Quadro Geral de Adidos com “uma mão à frente e outra atrás”, como costuma dizer-se, considero que esses três anos, por tudo o que vivi, tanto me pertencem a mim como à história, porque foram os momentos mais altos da minha vida e da vida de Moçambique.
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