sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril


25 de ABRIL

A data de 25 de Abril ser-me-á sempre querida porque depois de 35 anos vividos no regime de Salazar e Caetano esse foi o dia em que a liberdade, que nunca me fora dada conhecer, foi reposta na sociedade do meu país.

Sem liberdade, tudo o que tem a ver com a dignidade das pessoas cai pela base e não vale a pena prometerem-lhes seja o que for, adverti-las para o que quer que seja sem que primeiro a liberdade esteja assegurada ou seja, para que haja qualquer conversa, primeiro, a liberdade e o 25 de Abril foi, para mim, exactamente, a liberdade e por isso ele é indiscutível.

Cem anos que viva, na sua comemoração, enquanto a televisão o passar, verei sempre, com uma lágrima no olho, o filme da Maria de Medeiros sobre os acontecimentos dessa data porque nada toca mais com a costela romântica da minha personalidade do que esse acontecimento histórico da vida do meu país.

Este ano, quero assinalá-lo com um poema do meu conterrâneo e grande poeta, José Niza, retirado do seu livro Poemas de Guerra na qual, tal como eu, também ele participou em Angola.

Uma Bala Perdida

Um soldado perdeu uma bala
E
Que nem um tiro
O cabo disparou
A levar a notícia ao furriel
Que
De imediato
A transmitiu ao sargento
e estava na latrina a latrinar
mas puxou as calças correu a informar
o oficial de dia
embora fosse de noite


o capitão
ciente da má nova
foi acordar o major
que estava a sonhar
com as mamas da Sofia Loren
e praguejou
porra
o que é que se passa
que horas são
já um gajo não

foi ele quem alertou o tenente-coronel
que via rádio comunicou
meu coronel
há uma bala perdida não se sabe
exactamente onde nem porquê
nem por quem nem quando
eu até penso que
chega
o que é preciso é avisar o nosso brigadeiro
disse o coronel em pijama de flanela
às riscas
vai ser o bom e o bonito
quando o nosso general souber


uma ba-la per-di-da
uma ba-la per-di-da
gritou o general
procurem-na imediatamente
mensagem urgente
a todos os comandos
encontrem-me essa bala
viva ou morta
está em causa a honra do nosso batalhão
a minha carreira
a minha condecoração
quem perde uma bala
também perde uma guerra
faça-se um inquérito
levante-se um auto
vírgula
palavras do general
convoque-se o conselho de guerra
cancelem-se todas as saídas
as licenças as guias de marcha
apaguem-se as luzes das casernas
constitua-se o tribunal militar
decrete-se o alerta geral
e o estado de sítio
em que sítio meu general
perguntou o alferes
aqui minha besta onde é que havia de ser
quero sentinelas reforçadas
até ordem em contrário está tudo proibido
excepto o que não está
que a filha da puta dessa bala
há-de aparecer
a senha é
cherchez la balle
e a contra-senha é
a contra-senha é sei lá
que se lixe
agora não há tempo para essas merdas

dias depois
a bala
foi finalmente encontrada

dentro da cabeça do soldado

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