quinta-feira, maio 08, 2008



As Raízes da Religião
( RITCHARD DAWKIINS )


Sabendo que somos produtos da evolução natural Darwiniana, o que é preciso procurar e entender é que pressões terão sido exercidas pela selecção natural favoráveis, na sua origem, às religiões, comuns em todas as culturas humanas.

E isto, porque, aparentemente, as religiões, esbanjadoras e extravagantes, não se conciliam com as regras da selecção natural que é sovina e pune a mínima extravagância.

Darwin explicou:

“ A selecção natural escrutina dia a dia, hora a hora, por todo o mundo, todas as variações, mesmo as mais ínfimas, rejeitando aquilo que é mau, preservando e aumentando aquilo que é bom; trabalhando em silencio e sem cessar, onde e sempre que a oportunidade o permita, para o aperfeiçoamento de todos os organismos”.

Por outras palavras: se um animal selvagem tem por hábito uma actividade inútil qualquer, a selecção natural vai favorecer os seus rivais que, pelo contrário, dedicam esse tempo e energia à sobrevivência e à reprodução.

Ora, a religião, pode pôr em perigo a vida das pessoas, milhares delas foram torturadas e perseguidas por lealdade a um culto religioso por seguidores de um culto alternativo que nem é muito diferente do deles, sendo igualmente certo que devora recursos disponíveis numa escala maciça.

A construção, por exemplo, de uma catedral na Idade Média podia levar séculos de trabalho humano e depois de construída não era usada como residência ou para qualquer outro fim que fosse reconhecidamente útil.

Gente devota morreu pelos seus deuses e por eles matou, outros autoflagelaram-se até as costas verterem sangue, ou juraram uma vida de celibato ou de silêncio em clausura, tudo ao serviço da religião.

Para quê tudo isto? Qual o benefício da religião?

O facto da religião ter aparecido em todo o lado significa, provavelmente, que funcionou em benefício de algo mas não no nosso benefício ou no dos nossos genes.

Kim Sterelny, filósofo naturalista australiano/neozelandês, relativamente aos povos aborígenes da Austrália, Papuásia e Nova Guiné que vivem, provavelmente, de forma muito idêntica à dos nossos antepassados, chamava a atenção para um surpreendente contraste das suas vidas:

- Por um lado, testam ao limite as suas capacidades de sobrevivência em ambientes extraordinariamente hostis de uma forma bem sucedida graças a um entendimento preciso do ambiente biológico que os rodeia.

-Por outro lado, aliam a esse entendimento, obsessões profundas e destrutivas atulhando as suas mentes de crenças e vivendo atormentados por medos relacionados com a feitiçaria e a magia.

Como podemos, ao mesmo tempo, ser tão estúpidos e tão espertos, pergunta Sterelny e acrescenta que a nossa espécie é dotada de uma”inteligência perversa” quando as mesmas pessoas são tão sabedoras acerca do mundo natural e de como nele sobreviver e, em simultâneo, alimentam as suas mentes com crenças falsas e altamente perturbadores das suas vidas.

Embora os pormenores variem pelo mundo, todas as culturas têm os seus rituais religiosos: contraproducentes, anti factuais, dispendiosos e trabalhosos.

Alguns indivíduos cultos podem abandonar a religião mas todos somos criados numa cultura religiosa e é preciso uma decisão consciente para romper com ela.

A velha piada da Irlanda do Norte que pergunta: “ sim, mas és ateu católico ou ateu protestante?” está carregada de uma amarga verdade.

Os comportamentos religioso e heterossexual são “universais humanos” e embora comportem todas as excepções a nível individual elas sabem bem qual é a regra de que se afastam.

Do ponto de vista Darwiniano não há qualquer dificuldade em explicar o comportamento heterossexual sem o qual não haveria filhos mas e o comportamento religioso?

Por que jejuam os humanos, por que se ajoelham, se auto flagelam, acenam a cabeça freneticamente em frente de um muro, por que fazem cruzadas ou se entregam a práticas dispendiosas capazes de lhes consumir a vida e, em casos extremos, acabarem com ela?

Vantagens Directas da Religião

Será que a religião protege as pessoas em doenças como o stress?

As provas não são convincentes mas a cura pela fé pode resultar em determinados casos sem que isso reforce o verdadeiro valor das pretensões da religião.

Nas palavras de Bernard Shaw “o facto de um crente ser mais feliz que um céptico não é mais relevante do que o facto de um homem bêbedo ser mais feliz do que um sóbrio”.

Parte daquilo que um médico pode dar a um paciente é consolo e confiança. A voz tranquilizadora vinda de um rosto ladeado por um estetoscópio chega, muitas vezes, para “curar” muitos pequenos males.

O efeito placebo está bem documentado e nem sequer é muito misterioso. Está demonstrado que se consegue melhorar a saúde ministrando comprimidos sem qualquer actividade farmacológica.

Será a religião um placebo que prolonga a vida por reduzir o stress?

Talvez, embora esta teoria tenha de se submeter ao severo crivo dos cépticos que chamam a atenção para as muitas circunstâncias em que a religião provoca mais stress do que aquele que liberta.

A comediante americana Cathy Ladman observa que “todas as religiões são iguais: religião é, basicamente, culpa, com feriados diferentes”.

Não é crível que o motivo pelo qual temos religião seja porque ela reduzia os níveis de stress dos nossos antepassados.

A religião é um fenómeno vasto que carece de uma teoria vasta para o explicar.

Outras teorias de que “a religião satisfaz a nossa curiosidade sobre o universo e o nosso lugar nele” ou “a religião é consoladora” não são explicações darwinianas embora possa haver nelas alguma verdade psicológica.

Steven Pinker dizia, relativamente à teoria do “consolo”, “porque há-de uma mente evoluir para encontrar consolo em crenças que claramente se sabe que são falsas?”

Mas para os cientistas darwinianos o que interessa é encontrar as causas profundas ou seja, qual a pressão da selecção natural que favoreceu tal ocorrência.

Suponhamos que os neurologistas descobrem no cérebro um “centro-deus”, então é preciso saber a razão pela qual os nossos antepassados com uma tendência genética para desenvolver nos seus cérebros esse “centro-deus” sobreviveram de maneira a terem mais netos do que os outros que não a tinham.

Tão pouco os darwinianos se dão por satisfeitos com explicações de natureza política, do género “a religião é uma ferramenta usada pela classe dirigente para subjugar as classes inferiores”.

É verdade que consolava os escravos negros da América com promessas de outra vida, o que lhes embotava o descontentamento com a vida deste mundo e beneficiava, assim, os seus donos.

Se as religiões são deliberadamente criadas por sacerdotes cínicos ou por governantes, é uma questão interessante à qual os historiadores devem prestar atenção, mas não é uma questão darwiniana.

O investigador darwiniano quer saber por que razão as pessoas são vulneráveis aos encantos da religião expondo-se, desse modo, à exploração de sacerdotes, políticos e reis.


A Religião como um Sub-Produto de outra coisa

Numa perspectiva darwiniana, Richard Dawkins, tal como um número crescente de biólogos, vê a religião, cada vez mais, como um sub-produto de outra coisa.

Para explicar esta ideia o autor socorre-se de um exemplo concreto que tem a ver com a traça uma vez que ele próprio é um especialista nesta área (etólogo – estuda os comportamentos padrões das espécies).

As traças voam na direcção da chama de uma vela e isso não parece ser por acaso porque fazem propositadamente desvios no voo para se oferecerem em sacrifício.

Poderemos designar isto como um “comportamento de auto imolação” e logo nos perguntamos como é que a selecção natural pode favorecer um comportamento destes.

Mas esta pergunta está mal feita e tem de ser reformulada para poder ter uma resposta inteligente porque não se trata de um suicídio, ele é apenas aparente e surge como um efeito secundário involuntário ou “um sub-produto de outra coisa”.

Expliquemos:

É recente a chegada da luz artificial às nossas noites. Até há bem pouco tempo a única iluminação nocturna era a luz da lua e das estrelas que estão no infinito óptico pelo que os raios que delas nos chegam são paralelos.

Isto permite que eles sejam usados como bússola pois sabe-se que os insectos usam objectos celestes tais como o sol e a lua para se deslocarem em linha recta com precisão e que se servem da mesma bússola mas com sinal contrário, quando voltam para casa depois de uma surtida.

Mas para que a bússola da luz funcione é vital que o objecto que a emite esteja no infinito óptico porque, senão estiverem, os raios já não são paralelos divergindo como os de uma roda.

Para a traça continua a ser compensador o seu mecanismo de orientação ancestral porque aquelas que nós vimos “suicidando-se” contra a chama das velas são uma minoria comparadas com as que continuam a avistar a luz da lua e não a das velas.

Vamos então reformular a pergunta: “porque motivo estão as traças a cometer suicídio?”.

A pergunta correcta é: por que têm as traças sistemas nervosos que as guiam mantendo um ângulo fixo em relação aos raios de luz, táctica esta na qual só reparamos quando as coisas correm mal?

Reformulada a pergunta o mistério desaparece e tudo fica compreensível.

Aplique-se agora ao comportamento religioso dos humanos a lição acerca do subproduto.

Vemos numerosos grupos de pessoas, que em alguns casos chegam aos 100%, defender crenças que contradizem rotundamente factos cientificamente comprovados. As pessoas não só nutrem por estas crenças uma certeza veemente, como também lhes dedicam tempo e recursos chegando mesmo a morrer e a matar por elas.

Pasmamos com este facto da mesma maneira que pasmávamos com o comportamento de “auto imolação” das traças.

E mais uma vez perguntamos, angustiados, porquê e mais uma vez estaremos a fazer a pergunta errada porque o comportamento religioso pode ser “um tiro falhado”, um “subproduto” infeliz de uma propensão psicológica subjacente que, noutras circunstâncias, terá sido, em tempos, útil.

Por este prisma, a propensão que acabou por ser naturalmente seleccionada pelos nossos antepassados não era religião “per si”; teria uma outra vantagem qualquer e só circunstancialmente se manifesta sob a forma de comportamento religioso.

Se a religião é, então, subproduto de outra coisa o que é essa outra coisa?

Qual é a característica primitiva vantajosa que por vezes falha dando origem à religião?

A hipótese de resposta concreta de Dawkins centra-se nas crianças.

Expliquemos:

Nenhuma outra espécie depende tanto, na sua sobrevivência, das experiências acumuladas pelas gerações anteriores como a nossa, e essas experiências têm que ser transmitidas às crianças para a sua protecção e bem-estar.

Teoricamente, as crianças poderão aprender por si, pela sua experiência, a não se aproximarem de um penhasco, a não comerem bagas vermelhas desconhecidas, a não nadarem em águas infestadas de crocodilos, pois podem mas possuirão menos vantagens selectivas relativamente às crianças cujo cérebro contiver a seguinte regra prática: acredita sem hesitações em tudo o que os adultos te disserem, obedece aos teus pais, aos chefes da tribo, sobretudo quando falam num tom grave e ameaçador, confia nos mais velhos sem contestar.

Esta é, por norma, a regra para uma criança mas, como no caso das traças, pode dar mau resultado.

Conta-se, a este propósito, uma história em que as crianças acreditam:

“ Era um pelotão de soldados que treinava ao lado de uma linha de caminho de ferro. Num dado momento crítico, o sargento encarregado do treino distraiu-se e não deu a voz de «alto» e os soldados, de bem tão bem ensinados que estavam a cumprir ordens, não pararam e foram de encontro ao comboio”. Quando se tem 9 anos é possível acreditar nestas coisas.

A selecção natural constrói o cérebro das crianças de maneira a neles incutir uma tendência para acreditarem no que lhes dizem os pais e os chefes mas eles são incapazes de distinguir os bons ensinamentos dos maus e esta é consequência automática da “tendência para acreditar” das crianças.

A criança não pode adivinhar que “não te metas no rio Limpopo que está infestado de crocodilos” é um bom conselho e que “tens que sacrificar uma cabra senão a chuva não vem” é, no mínimo, um desperdício de tempo e cabras.

Ambos os avisos parecem igualmente dignos de confiança, ambos provêm de uma fonte respeitável e são proferidos com uma grave seriedade que inspira respeito e exige obediência.

E quando a criança crescer e tiver filhos seus, ela irá, muito provavelmente, transmitir-lhes tudo - quer o bom senso, quer o disparate – com toda a naturalidade, usando o mesmo ar grave e contagiante.

Os líderes religiosos estão bem cientes da vulnerabilidade do cérebro de uma criança e desta ser doutrinada em tenra idade.

Lembremo-nos de madrassas (escolas onde se ensina o Corão), só no Paquistão mais de 1,5 milhões de crianças frequentam estas escolas e, já agora, aquela afirmação vaidosa dos jesuítas: “ dai-me uma criança nos seus primeiros 7 anos e eu dar-vos-ei o homem”.

James Dobson que em 1992 fundou nos EUA o famigerado Focus on de Family mostra que também conhece o princípio quando diz: “ Aqueles que controlam o que é ensinado aos mais novos e aquilo que são as suas experiências – pensam, vêm, ouvem e crêem – irão determinar o rumo futuro da nação”.

Dawkins põe o acento tónico na criança como estando nela a explicação para a religião como um “sub produto de outra coisa” mas ele próprio admite que este não seja o único e haja muitos “sub produtos” provenientes de disposições psicológicas normais.

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