segunda-feira, junho 30, 2008


OS PIGMEUS E A MORAL



No penúltimo texto que aqui deixei, sob o título As Raízes da Moralidade, fiz referência a estudos levados a cabo pelo biólogo da Universidade de Harvard, Mark Hauser, a partir dos quais pretendeu demonstrar que “por detrás dos nossos juízos morais há uma gramática moral universal, uma faculdade da mente que foi evoluindo ao longo de milhões de anos de maneira a incluir um conjunto de princípios que construísse um leque de sistemas”.

No fundo, tratava-se de demonstrar que a moral com os valores que hoje são defendidos universalmente não foram conquista de uma qualquer religião nem a ausência desta dá lugar a comportamentos imorais.

Mas a propósito das experiências relatadas nesse texto, vale a pena contar um episódio passado no seio de uma comunidade de pigmeus e que foi descrita por Luca Cavalli-Sforza, (professor de genética em Standford e que durante 40 anos estudou a evolução do Homem) no seu livro Quem Somos Nós.

A comunidade dos Pigmeus, os homens mais antigos do planeta, caçadores e colectores, fazem parte das últimas sociedades primitivas ainda existentes mas que, infelizmente, não têm futuro.

Estão reduzidos a pequenos grupos de indivíduos rodeados de economias monetárias, rurais e industriais que por todo o lado destroem os seus habitats e o seu estilo tradicional de vida.

De resto, todos os caçadores-recolectores actualmente existentes ainda têm costumes comuns entre si, embora estejam a desaparecer ou por extinção física ou por conversão a outros modos de vida.

Os pigmeus vivem sempre em pequenos grupos, não têm uma organização hierárquica, geralmente não têm chefes e a sua vida social baseia-se no respeito mútuo.

Normalmente, têm uma ética avançada que pode constituir uma surpresa em populações de uma escala económica tão baixa.

De facto, o seu primitivismo não está no plano moral, simplesmente têm uma concepção do mundo e da vida muito diferente da nossa.

Quando os holandeses, chegados à cidade do Cabo, começaram a expandir-se para norte com as suas manadas, ocuparam o território dos indígenas e, dessa forma, começaram os incidentes com os locais.

Para os caçadores-recolectores o sentido da propriedade é diferente porque a propriedade individual é rara e não é muito importante.

Existem, no entanto, alguns direitos, como o do território de caça e aquele que for apanhado a caçar num território que não seja o seu tem de pagar uma multa que não é em dinheiro, visto que eles nem o conhecem, mas em géneros.

As relações dos pigmeus com os seus vizinhos agricultores não é isenta de problemas até porque eles não esquecem que os actuais terrenos agrícolas eram antigamente floresta, seus terrenos de caça, que foram convertidos através do abate das árvores, sem que lhes tivesse sido pedida qualquer autorização ou dada qualquer compensação.

Quando necessitam, os agricultores recrutam os pigmeus para trabalharem nas lavras pagando-lhes apenas com bananas e mandioca, ambas paupérrimas em termos nutritivos, e estes percebem perfeitamente que são explorados e considerados como animais e por isso, sem quebrarem relações com eles por não lhes convir, vingam-se roubando comida quando podem e pregando-lhes partidas.

No regresso para os seus acampamentos têm dois caminhos: um, que eles utilizam e é um pouco escondido, o outro, maior e mais largo, destina-se aos agricultores que os vêm procurar e que eles utilizam como casa de banho cobrindo depois com folhas os seus próprios excrementos…

Mas há a história, notável, de um pigmeu que roubava bananas de noite no campo de um agricultor e, dada a persistência da ocorrência, este montou uma emboscada ao ladrão e quando ouviu barulho disparou e feriu-o mortalmente.

Antes de morrer, porém, o pigmeu fez questão de pedir desculpa ao agricultor que tinha disparado sobre ele dizendo que a culpa era sua e que não devia ter roubado as bananas.

Não consta, e este aspecto é frisado pelo Professor, que este pigmeu estivesse sob a influência ou mantivesse qualquer contacto com religiosos cristãos.

Os pigmeus são os mais hábeis e corajosos caçadores que se conhecem, juntamente com os bosquímanes do deserto do Kalahari, e essa extraordinária perícia só foi possível desenvolver a partir de um conhecimento total, no caso dos pigmeus, da floresta e de todas as formas de vida que ali proliferam adquirido ao longo de muitos milhares de anos de vivência no seu habitat.

Foram eles que caçaram os elefantes cujo marfim, nós portugueses, carregámos para a Europa desde a nossa chegada a África nos séculos XV e XVI e que eram transaccionados pelos agricultores que serviam de intermediários e que já então os enganavam.

Os pigmeus caçam à sua maneira e não precisam de espingarda.

Como se sabe, são muito pequenos e parece quase ironia que sejam os homens mais pequenos do mundo a matar os animais maiores.

Esperam pela carga dos elefantes fixando na terra uma grande lança dirigida ao peito do animal e no último momento escapam; ou então, aproximam-se contra o vento sem se denunciarem, metem-se debaixo deles e atingem-nos nos flancos, na barriga ou cortam-lhes os tendões das pernas e isto ao fim de 4 ou 5 dias de caminhada na floresta com temperaturas entre os 35 e os 40 graus centígrados e uma humidade de 100%.

Podemos então concluir, perante estas “perfomances”, que os pigmeus são os grandes mestres da caça… de admirar é que também o sejam na ética e na moral.

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