quinta-feira, julho 24, 2008


Ainda a Esmeralda



A decisão de 23 deste mês da juíza do Tribunal de Torres Novas de suspender a entrega da Esmeralda ao pai biológico constitui a última etapa, que não a derradeira, de toda a saga que tem sido a vida da Esmeralda e dos seus pais afectivos e efectivos desde os 3 meses de idade.

E se alguma moral se pode já tirar desta história é a de que as crianças são concebidas para serem amadas, por imperativo da natureza, a mandado dos nossos genes e não para serem disputadas em Tribunais entre juízes e advogados ao sabor das leis e dos códigos, das interpretações a que eles sempre estão sujeitos e à mercê das disposições e indisposições de quem tem o poder de decidir, como se fossem uma qualquer propriedade.

Toda a vida desta criança que amanhã será mulher e eventualmente mãe de uma menina como ela é hoje, está definitivamente marcada por esta dolorosa e atribulada experiência e alguém é especialmente responsável, por falta de uma elementar sensibilidade, por todo o mal que lhe tem sido causado.

Os direitos de paternidade não se podem chocar desta forma violenta e traumática contra uma criança que sempre viu naquele homem e naquela mulher o seu pai e a sua mãe, que não a roubaram ou raptaram, antes a receberam dos braços da mãe biológica para a cuidarem melhor do que ela o poderia fazer e isto quando ainda nem se sabia quem era o pai que aparecendo mais tarde, deveria ter sido o primeiro, se amasse verdadeiramente a filha, a entender que a estabilidade emocional da criança era muito mais importante do que os seus direitos de pai biológico.

Faltou-lhe essa sensibilidade e agora, ganhe ou perca nos Tribunais, a relação com a sua filha está definitivamente comprometida para o resto da vida.

Esta é uma história séria e triste mas que nada impede que possa ser abordada com sarcasmo e ironia porque tudo quanto aos homens diz respeito, por mais sério e triste que seja, tem sempre uma face irónica e o humor sarcástico funciona como a última e mais poderosa crítica ao comportamento humano.

De João Miguel Tavares do jornal Diário de Notícias a transcrição de uma suposta entrevista telefónica à Esmeralda efectuada no passado dia 22:

- Então, Esmeralda, que dizes tu desta decisão da Pedopsiquiatria de Santarém, que garante não estares pronta para ires viver com o teu pai biológico?

Acho mal. Eu própria expliquei aos médicos que seis anos no mesmo sítio são demasiado tempo. Se uma criança não muda, acaba por estagnar: sempre o mesmo quarto, sempre a mesma cama, sempre os mesmos brinquedos, sempre o mesmo papel na parede. É um aborrecimento. Mas eles não me quiseram ouvir.

Quer dizer que por ti já estavas em casa do Baltazar?

Obviamente. Quem é que sabe o que é melhor para mim?

Duas equipas de médicos especializados e 99% da população portuguesa ou um juiz? Um juiz, claro. Além disso, repare bem, o Baltazar é muito mais giro que o sargento – alto, elegante, olho azul. Que património genético é que você escolhia?

Os genes são importantes para ti?

Muito, muito. Chamo-lhe mesmo o “chamamento do espermatozóide”.

Se não fosse um espermatozóide do Baltazar, eu não existia e isso é uma coisa que uma criança sente bastante. Cada vez que vejo o Baltazar aproximar-se é como se esse espermatozóide começasse a abanar a cauda. Fico com um nervoso cá dentro…

Os especialistas dizem que é ansiedade. Garantem que até estás a tomar comprimidos para dormires melhor.

Sim, mas isso nada tem a ver com o Baltazar. Isso é por causa dos filmes que o sargento me põe a ver. A Branca de Neve a morder a maçã envenenada, a madrasta da Cinderela a enfiá-la na torre, o Nemo quase a morrer na pia do dentista…

São coisas que dão cabo dos nervos de uma criança. Mudar de pai é como o outro.

Então não estás zangada com a demora da justiça em resolver o teu caso?

Ó, claro que não. Ainda sou nova, tenho muitos anos à minha frente. Esta coisa de não saber onde vou dormir amanhã até é emocionante. Sempre gostei de surpresas e o Tribunal de Torres Novas sabe disso. Aqueles juízes são uns brincalhões.

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