O Espirito do Tempo
A relatividade que o tempo introduz na vida das pessoas em sociedade, a tendência natural para se viver o que acontece “hoje” esquecendo aquilo que foi “o ontem”, o curto espaço temporal em que decorre a vida humana, a própria lógica de que “o que passou, passou e o que interessa é o futuro”, retira-nos muito da perspectiva necessária para uma apreciação correcta e justa do mundo em que vivemos.
E estas circunstâncias dificultam, para o comum das pessoas, a avaliação da necessidade que todos sentimos de saber se, em termos globais, estamos melhor ou piores, se estamos a avançar ou a retroceder e em que sentido.
As variáveis de apreciação são muitas e a importância de cada uma delas tem a ver com aquilo que são as preocupações dominantes em cada momento, em cada local e em cada contexto.
Se perguntarmos a alguém no nosso meio se se regista ou não progresso a resposta, muito provavelmente, vai depender, em primeira análise, do que tem sido a experiência da sua própria vida em termos materiais e assim, o progresso, no sentido de que as coisas hoje estão melhores do que estavam ontem, ficará a depender da experiência de uma vida que correu bem ou não correu.
Mas se insistirmos com a pergunta em termos gerais, abstraindo do caso pessoal, a resposta surge, naturalmente, associada aos avanços tecnológicos, à rapidez com que o mercado é surpreendido pelo novo modelo de telemóvel, de ecrã de televisão ou das recentes descobertas para vencer esta ou aquela doença e, por estas razões, a resposta é, invariavelmente, positiva.
Não ponho em causa os avanços tecnológicos como indicadores de progresso, acima de tudo porque eles só são possíveis pelos avanços na ciência que é criativa e libertadora na medida em que resulta da inteligência humana.
Mas há um outro indicador que tende a ficar esquecido, não porque as pessoas não saibam dele ou desprezem a sua importância se confrontado directamente, simplesmente está diluído na nossa vida do dia a dia.
Refiro-me àquilo que é hoje o pensamento das pessoas relativamente às outras pessoas nossos semelhantes, simplesmente nossos semelhantes, e vamos alargar a comparação à data em que os meus avós, que eu conheci pessoalmente, nasceram, fins do século XIX, princípios do século XX.
Thomas Henry Huxley, biólogo britânico, falecido em 1895, um progressista e esclarecido liberal, dos principais defensores públicos da teoria da Evolução de Charles Darwin, escreveu em 1871 o seguinte:
- “Nenhum homem racional, conhecedor dos factos, acredita que o preto mediano seja igual, e muito menos superior, ao homem branco.
E, se isto for verdade, não é de modo algum crível, que uma vez removidas todas as peias e desfrutando o nosso prógnato parente de terreno neutro e de nenhum favor ou opressor, ele venha a ser capaz de competir com êxito contra o seu rival de cérebro maior e menor maxilar, num duelo que deve ser terçado com pensamentos e não à dentada. Os lugares cimeiros na hierarquia da civilização não hão-de ficar, seguramente, ao alcance dos nossos escuros primos”.
Abraham Lincoln era um homem avançado em relação à sua época, foi o 16º Presidente dos EUA e autor de vários pensamentos que, pela sua qualidade, ficaram na história:
- Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas durante todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente.
-Um boletim de voto tem mais força do que um tiro de espingarda.
- Quando pratico o bem, sinto-me bem; quando pratico o mal sinto-me mal. Eis a minha religião.
-O campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer.
-Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em cobardes.
No entanto, quando os EUA se aprestam para eleger um presidente filho de pai negro e mãe branca é curioso ver o que este homem lúcido, esclarecido e avançado para a sua época, dizia, em 1858, num debate com Stephan A. Douglas:
Direi então que não sou, nem nunca fui, favorável a que se promova, seja de que maneira for, a igualdade social e política entre as raças branca e negra; que não sou, nem nunca fui, a favor de que os negros sejam jurados, nem que sejam habilitados a ocuparem cargos públicos nem a casar com brancos; e direi, alem disto, que há uma diferença física entre a raça branca e a negra que acredito que para sempre impedirá que as duas raças vivam lado a lado numa base de igualdade social e política.
E visto que assim não poderão viver, enquanto permanecerem juntas terá de haver uma posição superior e outra inferior, e eu, tal como outro homem qualquer, sou a favor de que a posição superior seja conferida à raça branca.
Estes dois homens, Huxley e Lincoln, se tivessem nascido e sido educados no nosso tempo seriam os primeiros a arrepiarem-se das suas posições e por isso, sendo eles dos espíritos mais liberais da sua época, imagine-se a maneira de pensar de um homem médio do seu tempo.
Mas estas profundas e radicais alterações na maneira de pensar dos homens relativamente a outros homens aconteceu, igualmente, em relação aos animais:
Quando os primeiros marinheiros desembarcaram na ilha Maurícia e viram os mansos dodós, a única coisa que lhes ocorreu foi matá-los à paulada não para se alimentarem deles já que, segundo diziam, a sua carne era intragável mas apenas porque pensaram que se eles estavam ali, indefesos, matá-los era a única coisa a fazer.
Um comportamento idêntico aconteceu mais recentemente com o extermínio do lobo da Tasmânia que ainda em 1909 tinha a cabeça a prémio.
Hoje a conservação da vida selvagem e do meio ambiente passaram a ser valores aceites com o mesmo estatuto moral outrora atribuídos a valores de natureza religiosa como o respeito pelo sabado ou entre os católicos, pelo domingo.
Os vertiginosos anos da década de sessenta ficaram na história pela sua modernidade aberta e progressista mas no seu início, um advogado de acusação no julgamento por alegada obscenidade do romance “O Amante de Lady Chatterley” ainda podia perguntar a um júri:
“Aprovariam que os vossos filhos, as vossas filhas – porque as raparigas sabem ler, tal como os rapazes (?!) - lessem este livro?
Isto é livro que os senhores deixassem pousado lá em vossa casa?
É livro que gostassem que a vossa esposa ou criadas lessem?
Alguma coisa mudou e mudou em todos nós e é a esta mudança que verdadeiramente se pode chamar de progresso porque é uma mudança que vai numa direcção verdadeiramente consistente e não tem a ver com a religião, quando muito ela dá-se a despeito da religião e não por causa dela.
A língua alemã tem uma palavra «Zeitgeist» que significa “o nível de avanço intelectual e cultural do mundo numa determinada época” e a que também chamam o “espírito do tempo”… e a que velocidade este espírito do tempo se tem deslocado numa frente alargada por todo o mundo!
De onde vieram estas mudanças graduais e concertadas verificadas na consciência social?
Ritchard Dawkins não tem dúvidas de que não vieram da religião:
E estas circunstâncias dificultam, para o comum das pessoas, a avaliação da necessidade que todos sentimos de saber se, em termos globais, estamos melhor ou piores, se estamos a avançar ou a retroceder e em que sentido.
As variáveis de apreciação são muitas e a importância de cada uma delas tem a ver com aquilo que são as preocupações dominantes em cada momento, em cada local e em cada contexto.
Se perguntarmos a alguém no nosso meio se se regista ou não progresso a resposta, muito provavelmente, vai depender, em primeira análise, do que tem sido a experiência da sua própria vida em termos materiais e assim, o progresso, no sentido de que as coisas hoje estão melhores do que estavam ontem, ficará a depender da experiência de uma vida que correu bem ou não correu.
Mas se insistirmos com a pergunta em termos gerais, abstraindo do caso pessoal, a resposta surge, naturalmente, associada aos avanços tecnológicos, à rapidez com que o mercado é surpreendido pelo novo modelo de telemóvel, de ecrã de televisão ou das recentes descobertas para vencer esta ou aquela doença e, por estas razões, a resposta é, invariavelmente, positiva.
Não ponho em causa os avanços tecnológicos como indicadores de progresso, acima de tudo porque eles só são possíveis pelos avanços na ciência que é criativa e libertadora na medida em que resulta da inteligência humana.
Mas há um outro indicador que tende a ficar esquecido, não porque as pessoas não saibam dele ou desprezem a sua importância se confrontado directamente, simplesmente está diluído na nossa vida do dia a dia.
Refiro-me àquilo que é hoje o pensamento das pessoas relativamente às outras pessoas nossos semelhantes, simplesmente nossos semelhantes, e vamos alargar a comparação à data em que os meus avós, que eu conheci pessoalmente, nasceram, fins do século XIX, princípios do século XX.
Thomas Henry Huxley, biólogo britânico, falecido em 1895, um progressista e esclarecido liberal, dos principais defensores públicos da teoria da Evolução de Charles Darwin, escreveu em 1871 o seguinte:
- “Nenhum homem racional, conhecedor dos factos, acredita que o preto mediano seja igual, e muito menos superior, ao homem branco.
E, se isto for verdade, não é de modo algum crível, que uma vez removidas todas as peias e desfrutando o nosso prógnato parente de terreno neutro e de nenhum favor ou opressor, ele venha a ser capaz de competir com êxito contra o seu rival de cérebro maior e menor maxilar, num duelo que deve ser terçado com pensamentos e não à dentada. Os lugares cimeiros na hierarquia da civilização não hão-de ficar, seguramente, ao alcance dos nossos escuros primos”.
Abraham Lincoln era um homem avançado em relação à sua época, foi o 16º Presidente dos EUA e autor de vários pensamentos que, pela sua qualidade, ficaram na história:
- Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas durante todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente.
-Um boletim de voto tem mais força do que um tiro de espingarda.
- Quando pratico o bem, sinto-me bem; quando pratico o mal sinto-me mal. Eis a minha religião.
-O campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer.
-Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em cobardes.
No entanto, quando os EUA se aprestam para eleger um presidente filho de pai negro e mãe branca é curioso ver o que este homem lúcido, esclarecido e avançado para a sua época, dizia, em 1858, num debate com Stephan A. Douglas:
Direi então que não sou, nem nunca fui, favorável a que se promova, seja de que maneira for, a igualdade social e política entre as raças branca e negra; que não sou, nem nunca fui, a favor de que os negros sejam jurados, nem que sejam habilitados a ocuparem cargos públicos nem a casar com brancos; e direi, alem disto, que há uma diferença física entre a raça branca e a negra que acredito que para sempre impedirá que as duas raças vivam lado a lado numa base de igualdade social e política.
E visto que assim não poderão viver, enquanto permanecerem juntas terá de haver uma posição superior e outra inferior, e eu, tal como outro homem qualquer, sou a favor de que a posição superior seja conferida à raça branca.
Estes dois homens, Huxley e Lincoln, se tivessem nascido e sido educados no nosso tempo seriam os primeiros a arrepiarem-se das suas posições e por isso, sendo eles dos espíritos mais liberais da sua época, imagine-se a maneira de pensar de um homem médio do seu tempo.
Mas estas profundas e radicais alterações na maneira de pensar dos homens relativamente a outros homens aconteceu, igualmente, em relação aos animais:
Quando os primeiros marinheiros desembarcaram na ilha Maurícia e viram os mansos dodós, a única coisa que lhes ocorreu foi matá-los à paulada não para se alimentarem deles já que, segundo diziam, a sua carne era intragável mas apenas porque pensaram que se eles estavam ali, indefesos, matá-los era a única coisa a fazer.
Um comportamento idêntico aconteceu mais recentemente com o extermínio do lobo da Tasmânia que ainda em 1909 tinha a cabeça a prémio.
Hoje a conservação da vida selvagem e do meio ambiente passaram a ser valores aceites com o mesmo estatuto moral outrora atribuídos a valores de natureza religiosa como o respeito pelo sabado ou entre os católicos, pelo domingo.
Os vertiginosos anos da década de sessenta ficaram na história pela sua modernidade aberta e progressista mas no seu início, um advogado de acusação no julgamento por alegada obscenidade do romance “O Amante de Lady Chatterley” ainda podia perguntar a um júri:
“Aprovariam que os vossos filhos, as vossas filhas – porque as raparigas sabem ler, tal como os rapazes (?!) - lessem este livro?
Isto é livro que os senhores deixassem pousado lá em vossa casa?
É livro que gostassem que a vossa esposa ou criadas lessem?
Alguma coisa mudou e mudou em todos nós e é a esta mudança que verdadeiramente se pode chamar de progresso porque é uma mudança que vai numa direcção verdadeiramente consistente e não tem a ver com a religião, quando muito ela dá-se a despeito da religião e não por causa dela.
A língua alemã tem uma palavra «Zeitgeist» que significa “o nível de avanço intelectual e cultural do mundo numa determinada época” e a que também chamam o “espírito do tempo”… e a que velocidade este espírito do tempo se tem deslocado numa frente alargada por todo o mundo!
De onde vieram estas mudanças graduais e concertadas verificadas na consciência social?
Ritchard Dawkins não tem dúvidas de que não vieram da religião:
“Alastram de uma mente a outra através de conversas, da leitura de livros, jornais, transmissões televisivas e radiofónicas e, hoje em dia, da Internet.
As alterações da sensibilidade moral são sinalizadas em editoriais, em debates na rádio, nos discursos políticos, no palavreado dos comediantes de stand-up, nos guiões das telenovelas, nas votações parlamentares ao criar as leis e nas decisões dos juízes ao interpretá-las.
É claro que o avanço não é uma rampa lisa, mas mais um perfil sinuoso dos dentes de uma serra com contrariedades locais e temporais como acontece agora por culpa da acção do governo Bush dos E.U.A. desde o início da presente década mas a uma escala mais longa a tendência para a progressão é inequívoca.”
Nesta marcha imparável, Dawkins, não tem dúvidas sobre o papel motriz que é representado por aqueles líderes políticos que, à frente do seu tempo, se erguem solidários e nos persuadem a prosseguir com eles: Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, etc., não falando já de artistas do mundo do espectáculo, desporto e outras figuras públicas.
E depois temos, igualmente, os progressos na educação e no ensino e especialmente a crescente compreensão de que cada um de nós partilha uma humanidade comum com os membros de outras raças e com o sexo oposto – uma e outra, ideias profundamente não bíblicas, provenientes da ciência biológica e, sobretudo, da evolução.
As alterações da sensibilidade moral são sinalizadas em editoriais, em debates na rádio, nos discursos políticos, no palavreado dos comediantes de stand-up, nos guiões das telenovelas, nas votações parlamentares ao criar as leis e nas decisões dos juízes ao interpretá-las.
É claro que o avanço não é uma rampa lisa, mas mais um perfil sinuoso dos dentes de uma serra com contrariedades locais e temporais como acontece agora por culpa da acção do governo Bush dos E.U.A. desde o início da presente década mas a uma escala mais longa a tendência para a progressão é inequívoca.”
Nesta marcha imparável, Dawkins, não tem dúvidas sobre o papel motriz que é representado por aqueles líderes políticos que, à frente do seu tempo, se erguem solidários e nos persuadem a prosseguir com eles: Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, etc., não falando já de artistas do mundo do espectáculo, desporto e outras figuras públicas.
E depois temos, igualmente, os progressos na educação e no ensino e especialmente a crescente compreensão de que cada um de nós partilha uma humanidade comum com os membros de outras raças e com o sexo oposto – uma e outra, ideias profundamente não bíblicas, provenientes da ciência biológica e, sobretudo, da evolução.
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