Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº36
CAPÍTULO DOS PRSENTES ONDE SE ABRANDAM CORAÇÕES E TOMBA INESPERADA LÁGRIMA
A cerimónia da entrega dos presentes realiza-se após o jantar, festa de exclamações e risos: recolhidos os pratos pela pequena Aracy, retirada a toalha, Antonieta roga a Ricardo e Astério busquem na alcova a mala azul, a grandona, única ainda fechada. Colocam-na sobre a mesa, Astério encarrega-se de abri-la.
Risinhos nervosos, a família na expectativa, Peto indócil alongando o pescoço para espiar dentro da valise. Também Leonora trouxe do quarto uma bolsa de viagem e, tendo descerrado o ziper, a mantêm no colo, caixa de surpresas.
Cabem a Zé Esteves as regalias de prioritário: num estojo de luxo, relógio e pulseira de ouro – banho de ouro:
- Repare a marca, Pai. Vosmicê sempre desejou um relógio Ómega, me lembro da inveja que tinha do patacão do coronel Artur de Tapitanga. Por falar nele, ainda é vivo?
- Vivo e lúcido. Não tarda a aparecer. Pergunta sempre por você. – Quem informa é dona Carmosina, pimpona ao lado de dona Milú.
- Já não tenho vaidade, minha filha. Nem vaidade nem relógio desde que o meu se quebrou e Roque não deu jeito. Agora vou poder ver as horas de novo. Estou voltando a ser gente, depois que tu chegou.
Leonora mete a mão na bolsa:
- E aqui tem um radinho de pilha, um transístor para o senhor e dona Tonha ouvirem música, seu José.
- Tomando trabalho com a gente, moça! Um rádio? Quem vai ficar contente é Tonha, não é mesmo, mulher? Vive ma azucrinando os ouvidos para comprar um…
Tonha concorda, contente demais, tanto desejara! Certa vez, realmente, atrevera-se a insinuar a compra de um dos mais baratos, insinuação primeira e única, levara esporro medonho: tu quer que eu esperdice dinheiro que minha filha me manda? E se a gente adoecer? E quando a gente esticar a canela? Tu pensa que alguém vai pagar médico e receita, padre e cemitério? Não me peça para botar dinheiro fora. Ficou maluca?
A própria Nora coloca pilhas no pequeno aparelho, irrompe o som de um samba, prefixo de estação de Feira de Santana.
- Maior do que o nosso… - sussurra Elisa a Astério. Quem sabe o pai aceita trocar, ficar com o deles, recebendo volta em dinheiro. Tieta pagou a quota das despesas e, separando o de Osnar, a sobra a gente pode…
Não será necessário trocar pois Antonieta tira da mala imponente aparelho, sofisticado, quantidade de botões, várias faixas de ondas, antena embutida, entrega à irmã: para você e Astério, é japonês, não há melhor.
- Valha-me minha Nossa Senhora! Tieta, você é demais! – Elisa em nova chuva de beijos, agradecendo o rádio e o perdão: dona Carmosina lhe confirmou já ter esclarecido o assunto da morte de Toninho, não se preocupe onde e quando, não pense mais nisso. – Veio com pilhas? Quero ouvir o som agora mesmo.
- Devem estar colocadas. Funciona também na electricidade. Essa carteira, Astério, é para você guardar o dinheiro dos ganhos do bilhar. E aqui tem mais umas bobagens para você, Elisa.
Sortimento completo de cosméticos. Cremes e pinturas, todos os produtos para maquiagem, quanta coisa, meu Deus, vou desmaiar! Ruge mais diferente, desse nunca vi. Experimente o baton cintilante, recomenda Leonora. No aparelho de rádio sucedem-se as estações da Baía, do Rio, de Recife falando para o mundo, de São Paulo e, trocando de onda, veja! Ao seu alcance os cinco continentes – que língua mais arrenegada é essa? Parece russo, mas é a Rádio de Belgrado, Belgrado é a capital de que país? Da Iuguslávia, leciona dona Carmosina.
Foi assim, de música risos e beijos, foi de festa aquele começo de noite. Como ela pôde adivinhar o gosto, o desejo de cada um? Como sabe das façanhas de Astério no bilhar? Dos sonhos de Cardo com a vara de pesca, o molinete, o fio de nylon, as iscas artificiais? Como adivinhou? Sorri dona Carmosina, ao ouvir a pergunta repetida sem resposta: inspiração divina. Para Peto traga qualquer coisa desde que não sejam livros de estudo, ele quer somente vadiar, nadar e mergulhar no rio, bater bola na rua com os moleques, assistir às partidas de bilhar; vai completar treze anos e cursa ainda o Grupo Escolar. Peto ganhou um equipamento de mergulhador: máscara, arpão, pés de pato. Aos dois jovens, Leonora ofereceu chaveiros com a efígie do Rei Pele.
Astério, uma gravata. Mantilha cor de chumbo, de Nora para Perpétua. Para Elisa um anelão moderno, de fibra de vidro, a pedra enorme, cor de âmbar, a sensação da noite. O último lançamento da rua Augusta na capital paulista. Antonieta e Leonora têm iguais, só diferem na cor. Nora vai buscá-los.
A cerimónia da entrega dos presentes realiza-se após o jantar, festa de exclamações e risos: recolhidos os pratos pela pequena Aracy, retirada a toalha, Antonieta roga a Ricardo e Astério busquem na alcova a mala azul, a grandona, única ainda fechada. Colocam-na sobre a mesa, Astério encarrega-se de abri-la.
Risinhos nervosos, a família na expectativa, Peto indócil alongando o pescoço para espiar dentro da valise. Também Leonora trouxe do quarto uma bolsa de viagem e, tendo descerrado o ziper, a mantêm no colo, caixa de surpresas.
Cabem a Zé Esteves as regalias de prioritário: num estojo de luxo, relógio e pulseira de ouro – banho de ouro:
- Repare a marca, Pai. Vosmicê sempre desejou um relógio Ómega, me lembro da inveja que tinha do patacão do coronel Artur de Tapitanga. Por falar nele, ainda é vivo?
- Vivo e lúcido. Não tarda a aparecer. Pergunta sempre por você. – Quem informa é dona Carmosina, pimpona ao lado de dona Milú.
- Já não tenho vaidade, minha filha. Nem vaidade nem relógio desde que o meu se quebrou e Roque não deu jeito. Agora vou poder ver as horas de novo. Estou voltando a ser gente, depois que tu chegou.
Leonora mete a mão na bolsa:
- E aqui tem um radinho de pilha, um transístor para o senhor e dona Tonha ouvirem música, seu José.
- Tomando trabalho com a gente, moça! Um rádio? Quem vai ficar contente é Tonha, não é mesmo, mulher? Vive ma azucrinando os ouvidos para comprar um…
Tonha concorda, contente demais, tanto desejara! Certa vez, realmente, atrevera-se a insinuar a compra de um dos mais baratos, insinuação primeira e única, levara esporro medonho: tu quer que eu esperdice dinheiro que minha filha me manda? E se a gente adoecer? E quando a gente esticar a canela? Tu pensa que alguém vai pagar médico e receita, padre e cemitério? Não me peça para botar dinheiro fora. Ficou maluca?
A própria Nora coloca pilhas no pequeno aparelho, irrompe o som de um samba, prefixo de estação de Feira de Santana.
- Maior do que o nosso… - sussurra Elisa a Astério. Quem sabe o pai aceita trocar, ficar com o deles, recebendo volta em dinheiro. Tieta pagou a quota das despesas e, separando o de Osnar, a sobra a gente pode…
Não será necessário trocar pois Antonieta tira da mala imponente aparelho, sofisticado, quantidade de botões, várias faixas de ondas, antena embutida, entrega à irmã: para você e Astério, é japonês, não há melhor.
- Valha-me minha Nossa Senhora! Tieta, você é demais! – Elisa em nova chuva de beijos, agradecendo o rádio e o perdão: dona Carmosina lhe confirmou já ter esclarecido o assunto da morte de Toninho, não se preocupe onde e quando, não pense mais nisso. – Veio com pilhas? Quero ouvir o som agora mesmo.
- Devem estar colocadas. Funciona também na electricidade. Essa carteira, Astério, é para você guardar o dinheiro dos ganhos do bilhar. E aqui tem mais umas bobagens para você, Elisa.
Sortimento completo de cosméticos. Cremes e pinturas, todos os produtos para maquiagem, quanta coisa, meu Deus, vou desmaiar! Ruge mais diferente, desse nunca vi. Experimente o baton cintilante, recomenda Leonora. No aparelho de rádio sucedem-se as estações da Baía, do Rio, de Recife falando para o mundo, de São Paulo e, trocando de onda, veja! Ao seu alcance os cinco continentes – que língua mais arrenegada é essa? Parece russo, mas é a Rádio de Belgrado, Belgrado é a capital de que país? Da Iuguslávia, leciona dona Carmosina.
Foi assim, de música risos e beijos, foi de festa aquele começo de noite. Como ela pôde adivinhar o gosto, o desejo de cada um? Como sabe das façanhas de Astério no bilhar? Dos sonhos de Cardo com a vara de pesca, o molinete, o fio de nylon, as iscas artificiais? Como adivinhou? Sorri dona Carmosina, ao ouvir a pergunta repetida sem resposta: inspiração divina. Para Peto traga qualquer coisa desde que não sejam livros de estudo, ele quer somente vadiar, nadar e mergulhar no rio, bater bola na rua com os moleques, assistir às partidas de bilhar; vai completar treze anos e cursa ainda o Grupo Escolar. Peto ganhou um equipamento de mergulhador: máscara, arpão, pés de pato. Aos dois jovens, Leonora ofereceu chaveiros com a efígie do Rei Pele.
Astério, uma gravata. Mantilha cor de chumbo, de Nora para Perpétua. Para Elisa um anelão moderno, de fibra de vidro, a pedra enorme, cor de âmbar, a sensação da noite. O último lançamento da rua Augusta na capital paulista. Antonieta e Leonora têm iguais, só diferem na cor. Nora vai buscá-los.
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