segunda-feira, janeiro 26, 2009


Tieta do Agreste
EPIDÓDIO Nº31


DA VOLTA DA FILHA PRÓDIGA A AGRESTE, ONDE, NO PONTO DA MARINETA, A FAMÍLIA EM LUTO PELA MORTE DO COMENDADOR, OS MENINOS DO CATECISMO, PADRE MARIANO, TASCÂNIO DE ANDRADE, COMANDANTE DÁRIO, PETA DE MATOS BARBOSA, O ÁRABE CHALITA, DIVERSAS OUTRAS FIGURAS GRADAS, SEM ESQUECER A MALTA DO BILHAR, MUITO MENOS DONA CARMOSINA, NA MÃO UM BUQUÊ DE FLORES COLHIDAS NO JARDIM DE CASA POR DONA MILÚ, O CLERO, A BURGUESIA E O POVO, ESTE REPRESENTADO PELO MOLEQUE SABINO E POR BAFO DE BODE


Agrupados em quatro ou cinco locais, nas vizinhanças do cinema, ponto de paragem de marinete de Jairo, esperam ouvir a buzina rouquenha na curva da entrada da cidade. Na Igreja, sob a batuta do padre Mariano, os meninos do catecismo, nas roupas domingueiras, além de perpétua e do filho seminarista, de batina e livro de missa, risonho mocetão em férias. No adro, movimentam-se as beatas, bando de urubus a grasnar; prontas para o magno acontecimento, o desembarque da viúva rica; querem vê-la em luto e em pranto nos braços da família, e de quebra, a enteada, a forasteira. Dia gordo.

No Bar dos Açores, à excepção do proprietário em mangas de camisa, todos engravatados: Osnar, Seixas, Fidélio, Aminthas, guarda de honra do cunhado Astério, sufocado no terno negro, empréstimo de Seixas, magricela. Perpétua concordara com que, durante a semana, reduzisse o nojo à braçadeira preta, ao fumo no chapéu e na lapela. Mas, para a cerimónia das boas vindas, exige luto fechado, traje, gravata e compunção.

- Faz questão porque não tem de comprar, vive de luto. Mas onde vou buscar dinheiro para fazer terno?

- Tive de comprar para Peto.

- Um par de calças curtas, ora.

- Por que não toma emprestado? Seixas aliviou o luto.

Boa lembrança, não fosse a diferença de peso entre os dois. A duras penas, com o auxílio de Elisa, conseguiu enfiar as calças. O paletó não abotoa e abriu sob os dois sovacos mas o descosido só aparece quando Astério levanta os braços.

Peto foge da Igreja e da mãe, vem para o bar. Cara lavada, cabelos penteados, coisas raras; camisa branca de mangas compridas, gravata borboleta, antiguidade do falecido Major.

O pior são os sapatos. Os pés, livres nas ribanceiras e na correnteza do rio, não se adaptam. Osnar goza a figura e as caretas do menino:

- Sargento Peto, você está uma tetéia. Se eu fosse chegado a comer menino, hoje era seu dia. Sua sorte é que não sou apreciador.

- Não chateie.

Apesar dos sapatos, Peto não esconde a satisfação: durante a permanência da tia dormirá em casa de Astério, no quartinho dos fundos, longe das vistas e dos horários estritos da mãe, poderá acompanhar Osnar e Aminthas, Seixas e Fidélio pelas ruas à noite, nas escusas caçadas a provocar comentários e risos:

- Passa fora, moleque, isto é conversa de homem…

Só Osnar abre-lhe perspectivas!

- Um dia desses, sargento, eu lhe levo pra caça. Tá chegando a idade. Vá preparando a espoleta.

Perpétua decidira que no quarto de Peto ficará a enteada de Antonieta. Como o resto da casa, foi lavado com creolina, esfregado, varrido até à última partícula de pó, folhas de pitanga no chão, para perfumar. Há uma semana, a pequena Aracy, emprestada por Elisa pelo tempo que durar a estadia das paulistas, se entrega a uma faxina em regra.

Residência confortável, na esquina da Praça da Matriz com o Beco das Três Marias, Peto não necessitaria mudar-se, caso Perpétua tivesse aceite a opinião de Astério; as duas hóspedes no quarto de Ricardo, os dois meninos no de Peto. Mas Perpétua num desparrame de cortesia – fora atacada de mania de grandeza ou tinha algum plano armado na cabeça? Dona Carmosina ainda não chegara a uma conclusão – decidira colocar Antonieta na alcova fresca e ampla, deixando-lhe, por mais inacreditável que possa parecer o uso da cama de casal com colchão de lã de barriguda, onde rebolara com o Major durante o tempo feliz e curto do matrimónio. Contado não se acreditaria: o quarto dela e do Major? Impossível! Como as coisas mudam, Deus do Céu! Dona Carmosina arregala ao máximo os olhos miúdos num espanto.

Cama de casal, colchão de barriguda, penteadeira, armário enorme, móveis pesados de jacarandá. O Major comprara a casa mobilada nas vésperas do casamento, uma pechincha. O único herdeiro de dona Eufrosina, falecida aos noventa e quatros Janeiros, um sobrinho, vivia em Porto Alegre, nunca pusera os pés em Agreste, mandou vender a casa e móveis por qualquer oferta, desde que à vista. Tão pouco havia outro candidato, à vista ou a prazo.

Na sala de visitas, enorme, oito janelas dando para a rua, sai o corredor até à sala de jantar. De cada lado dois quartos, um dos quais, em frente à alcova, desde priscas era transformado em gabinete de leitura pelo finado doutor Fulgêncio Neto, esposo de dona Eufrosina, médico de fama nos idos do progresso.

A secretária, com dezoito gavetas, sendo uma delas cofre com segredo; a estante com livros de medicina e obras de Alexandre Dumas e Victor Hugo. O Major não buliu no gabinete, gostava de nele permanecer após o almoço, sentado em frente da escrivaninha, lendo jornais da Baía; atrasados de uma semana, ou tirando uma pestana na rede. Ali, Ricardo faz banca mesmo em férias, uma hora por dia. A seguir, face a face, os quartos de Ricardo e Peto, ambos requisitados por Perpétua. No de Ricardo, onde fica o oratório, dormirá ela própria; no de Peto, a tal Leonora. Ricardo ocupará o gabinete onde já estão os seus livros de estudo. Acomoda a moleca Araci no depósito de frutas, no quintal, no quintal, sobre a improvisada enxerga. Perpétua comandou a arrumação e a limpeza da casa. Comandou tudo quanto se referiu à chegada e estadia de Tieta.

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