segunda-feira, fevereiro 23, 2009


Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 59


DA MASSAGEM COM ORAÇÂO


Ricardo mergulha, foge nas águas do rio. Mergulha nas folhas do livro, na hora da banca, após o passeio, o bate-bola, a pesca, o banho antes do almoço, diariamente. De volta do banheiro, pingando água, a tia senta-se diante do espelho, afrouxa o penhoar, toma dos tubos de creme, dos potes, dos frascos. O perfume flutua, estende-se, invade as narinas do rapaz.

Do sobrinho mais velho, atencioso e recatado. Sempre às ordens da tia e da prima – não esqueça que Leonora é sua prima, recorda-lhe Perpétua – mas não a segui-las, brechando contornos e profundezas, o olho vicioso como o menor. Ao contrário a afastar a vista, a desviá-la para o outro lado quando um seio aflora ou uma sombra se ilumina sob robes e shortes.

Mergulha nos livros, foge nos teoremas de álgebra, abstractos. Necessita manter-se atento, não se deixar distrair, os olhos rumam para o quarto onde a tia, porta aberta e nenhum cuidado, se embeleza. Cometerá pecado mortal, com certeza absoluta se espiar a tia. Mas quando acontece ver por acaso, sem querer? Por mais que faça, impossível não enxergar tão expostos atributos.

Pior que ver é pensar. Não olhara quando Peto chamara a tenção para os pelos da tia, atirou-se ao rio. Mas, mesmo dentro de água, nadando sem espiar, ele os imaginara. De olhos fechados ou abertos, queira ou não, pensa, imagina.

A gente imagina sem querer, mesmo não querendo, é a maneira de Deus provar a fé, o zelo dos eleitos. É preciso controlar-se; vencer os maus pensamentos.

E os sonhos? Os sonhos, a gente não controla. Cosme, um asceta, o pusera em guarda contra os sonhos, neles o demónio tenta os homens, nem os anacoretas escaparam. Dormindo, a gente pode pecar e se condenar. Cosme, aconselha espalhar grãos de milho ou de feijão sobre o lençol, deitar em cima, castigando a carne. Na rede, impossível.

Da rede, no escuro, ouve e percebe a tia na toalete nocturna, retirando a maquiagem. Fechar a porta não resolve, ao contrário. De porta aberta fica reduzido a pequenos ruídos de potes e frascos, a limitadas amostras, vislumbres de carnação surgindo do robe. Mas para a imaginação não há limites, quando fecha a porta o robe se abre inteiro e é tão curta a camisola! Só as orações desviam a vista e o pensamento.

De qualquer maneira, de noite ou de dia, é árduo o combate com o demónio, só a ajuda de Deus permite a vitória. Na banca, antes do almoço, tenta absorver-se no estudo da matemática ou da história, enquanto, no quarto em frente, a tia se pinta e se perfuma. Os teoremas de álgebra, os navegadores portugueses. Impossível concentrar-se, o perfume acalentou o seu sono no seminário, aqui o entontece.

- Cardo!

- Diga, tia.

- Estás ocupado?

- Estou estudando, é hora da banca. Mas, se quiser alguma coisa…

- Quero sim. Venha cá.

Ricardo deixa o livro, entra no quarto.

- Passe creme nos meus ombros, faça uma massagem. Abra a mão. – Espreme a bisnaga, põe-lhe no côncavo da mão o creme oloroso. – Vá, espalhe primeiro, depois amasse com a mão e os dedos.

Baixa o penhoar, exibe as espáduas nuas; com a mão fecha-o sobre os seios, fica composta, ainda bem. Curva-se para facilitar a tarefa do sobrinho. Ricardo espalha o creme e começa, desajeitado, a esfregar-lhe os ombros.

- Nas costas, filho.

Esse não tem malícia, se fosse o pequeno estaria tentando ver a curva do busto sob as rendas. O rapaz sente o cheiro doce do creme, a maciez da pele. Não pode entupir o nariz nem retirar as mãos. Sente sem querer sentir. O demónio o possui pelos dedos e pelas ventas. Que fazer Senhor? Orar, pois a oração é a arma que deus entregou aos homens para vencer as tentações, derrotar o inimigo. Padre-Nosso que estais no céu…

- Força, meu bem.

Curva-se ainda mais Antonieta, a mão já não prende o robe. Ricardo desvia a mirada pois o seio, solto, surge inteiro, moreno, volumoso. Onde parou na oração? Não nos deixeis cair na tentação…

- Chega, meu filho, muito obrigado.

Ao agradecer volta-se com um sorriso, surpreende o sobrinho a mover os lábios.

- Que é que você está fazendo? Rezando?

Espoca em riso, Ricardo encabula, vermelho, escabreado.

- Tem medo de mim? Não sou diabo, não.

- Oh!, tia.

- Nem fazer massagem no cangote da tia é pecado.

- Não pensei nada disso. Tenho o costume de rezar enquanto faço algum trabalho manual – mente ainda por cima.

- Então me dê um beijo e vá estudar.

Beijo do pequeno não seria esse distante roçar de lábios na face. Peto é um perigo. Aos
doze anos nem
Tieta possuía igual

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