sábado, fevereiro 28, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 64



ONDE A MANSA LEONORA CANTARELLI PROCLAMA IMPORTANTE DECISÃO


No sábado, pela madrugada, Tieta, Leonora e Peto embarcam na canoa do Comandante Dário que os veio buscar deixando dona Laura na Toca da Sogra ainda adormecida: quando acordar, vai cuidar dos preparativos para recepcionar as visitantes. No almoço, haverá moqueca, o peixe fresquinho, pescado na hora.

Os demais irão no domingo, sábado é dia de muita ocupação em Agreste. Ricardo preso à missa, Astério preso à loja, Elisa à cozinha, Ascânio à Prefeitura onde atende ao povaréu do interior do município até o fim da tarde.

Dona Carmosina a esperar a marinete para distribuir jornais e revistas, entregar e receber cartas, ler e redigir algumas, a pedido de roceiros iletrados. Para as gentes dos povoados e do campo, sábado é o dia de compras, das queixas, das reclamações e dos pedidos à municipalidade, da correspondência com os parentes emigrados para o sul.

Com dona Carmosina irá dona Milú levando comida para juntar à de dona Laura e fazerem um piquenique na sombra dos coqueiros. Também o vate Barbozinha se estiver melhor do reumatismo a castigá-lo pela mania de ficar acordado até altas horas da noite, sondando o horizonte á espera de discos voadores, de naves espaciais de onde desçam seres das mais remotas galáxias, vindas de visita ao grão-mestre de todas as sociedades secretas, Gregório Eustáquio de Matos Barbosa, filósofo e vidente conhecido na imensidão do sistema celeste. Ultimamente recebeu irradiações poderosas, anúncios de acontecimentos extraordinários em futuro próximo. De quando em vez, num disco luminoso ou na pouco recomendável companhia de Osnar; de Seixas; de Fidélio e Aminthas, desembarca o poeta na casa mal afamada de Zuleika Cinderela, no Beco da Amargura, onde range a música de velhos discos e se pode dançar com raparigas. Nos tempos boémios e literários da capital, em companhia de Giovani Guimarães, James Amado e Wilson Lins, no castelo de Vavá ou no 63 da Ladeira da Montanha, o vate Barbozinha era apreciado pé-de-valsa. Hoje, envelhecido, meio entrevado, mesmo assim faz figura na cadência dos passos de um foxtrote, no rodopio de uma valsa. Num tango ainda arranca palmas.

Tieta e Leonora assistem ao sol nascendo sobre o rio, a moça de são Paulo vai calada, um ténue sorriso: o Comandante a observa e percebe a emoção a dominá-la. Quando ele chegou de volta e fez esse mesmo caminho descendo o rio, não conteve as lágrimas. Tieta tampouco fala, a face fechada, quase dolorosa. Apenas Peto espana a água com as mãos quando não ajuda o Comandante nas manobras.

Na Toca da Sogra, onde dona Laura recebe os visitantes com água de coco e pequenos peixes fritos no azeite-de-dendê – tem batida de pitanga e de maracujá para quem quiser – o Comandante desdobrou sobre a mesa uma planta rudimentar dos terrenos de propriedade de Modesto Pires, traçada por ele próprio:

- Aqui está a Toca, nosso terreno. Eu lhe aconselho, Tieta, a comprar esse aqui, vizinho ao nosso, nessa área do coqueiral. É a parte mais bonita e a mais defendida da areia. Podemos ir até lá, se quiser.

- Agora mesmo, para isso vim.

Não veio para isso, veio para rever as dunas e nelas se encontrar. Mas demora de propósito, retém a vontade de correr para os cômoros, de subir ao alto e olhar a imensidão. Com o Comandante e Leonora, vai
constatar as vantagens do terreno, quando regressar a Agreste efectuará a compra.

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