domingo, março 29, 2009


Tieta do
Agreste
EPISÓDIO Nº85




DA NAVE NA PRAÇA DA MATRIZ, QUANDO SE ESTABLECEM OS PRIMEIROS CONTACTOS ENTRE OS SUPER- HERÓIS E OS HUMANOS, COM REFERÊNCIAS A HOTÉIS E A SFALTO, ENQUANTO MISS VÉNUS FRETA CADA UM DOS HOMENS, INCUSIVÉ SEU MANUEL PORTUGUÊS



Deserta e silenciosa a praça da Matriz quando a nave, num espaventoso clamor de gases soltos, ali se deteve e o ser provavelmente macho – em razão dos cabelos longos, sobrando do capacete, e das olheiras violetas, houve quem lhe discutisse o sexo – saltou por cima da porta da extravagante máquina, circulou o olhar em torno, não enxergou ninguém. Nas mãos, exibia grossas luvas de exótico material. Envergava flamante vestimenta, espécie de macacão azul com zíperes e bolsos nas pernas e braços, ilhoses e tachas de metal, a fulgurar.

Observação mais detalhada, demonstrava tratar-se de calça e blusão, os bolsos repletos de objectos estranhos, armas mortais, imprevisíveis. Vestido de maneira absolutamente igual, sem outra diferença além do volume do busto, o ser fêmea suspendeu o capacete e revelou-se óptima. Retirando as luvas, com os longos dedos afofou a cabeleira ruiva – não mais longa que a do companheiro – com uma faixa platinada ao centro a denunciar-lhe a origem venusiana ou carioca, de qualquer forma apaixonante.

Do escondido do bar, Osnar observava, estupefacto; presentes apenas ele e seu Manuel Português.

- Oh! Luso Almirante! Venha ver e me diga se é verdade ou delírio alcoólico o que estou vendo. Ontem bebi demais em casa de Zuleika.

Seu Manuel abandonou os copos nos quais passava água – também não precisa abusar da imundice, Vasco da Gama, dizia-lhe Aminthas apontando as marcas de sujeira em pratos, copos e talheres – veio até à porta. Abriu a boca, coçou o queixo:

- Quem são esses valdevinos?

- De tanto Ascânio falar em turistas, eles apareceram… - arriscou Osnar – A não ser que sejam os tripulantes do disco voador de Mangue Seco.

Constatada a ausência de terráqueos, o ser provavelmente macho regressou à nave, a venusiana enfiou as luvas; os abomináveis ruídos sinistros recomeçaram, a negra fumaça soltou-se por canos e orifícios, o veículo decolou num salto e se perdeu num beco. Durante certo tempo ouviu-se na cidade a barulheira, acordando em susto os que tiravam uma pestana como Edmundo Ribeiro, o colector, e o árabe Chalita; trazendo à porta das casas os surpresos, assombrados habitantes. Houve comerciante a fechar portas de loja e de armazém, quem sabe Lampião voltara dos infernos, motorizado. Lampião nunca chegou a Agreste mas certa feita estivera perto, a três léguas de marcha, ainda hoje o facto é recordado.

Quando os super-heróis, percorridas ruas e becos, retornaram à praça da Matriz e outra vez aterrizaram, já Ascânio Trindade que os vira da janela do sobrado da Prefeitura, descia a escada a correr, vindo-lhes ao encontro. Osnar falara em turistas gozando o amigo, mas Ascânio se o tivesse ouvido, aprovaria: turistas, por que não? Os primeiros a atender ao convite redigido por ele (com a preciosa ajuda de dona Carmosina) e enviado ao jornal A Tarde, da Capital, sugerindo aos turistas “esticar de Salvador até à mais saudável cidade do Estado, Sant’Ana do Agreste, para conhecer a mais bela praia do mundo, a praia das dunas de Mangue Seco”. A gazeta publicara a carta na coluna dos leitores, lastimando, em pequena nota de redacção, o péssimo estado da rodovia a impedir na prática a aceitação do convite. Ninguém de bom senso se disporia a jogar a sorte do seu automóvel nas crateras da estrada cada vez mais esburacada somente para conhecer Agreste, “recanto realmente paradisíaco”. Quem escapasse ileso da buraqueira da via principal teria de enfrentar ainda os “indescritíveis cinquenta quilómetros de barro, a partir de Esplanada.

Ascânio arvora vitorioso sorriso no rosto em geral sério: mesmo assim, com a estrada de crateras e de sobra os quarenta e oito quilómetros – quarenta e oito e não cinquenta – fatais, surgiam corajosos dispostos a atender ao chamado.

Empoeirados, suarentos, os estranhos seres acenaram gestos cordiais e sequiosos. A fêmea deu pressa, com a enorme pata de corno.

- Boa tarde… Sejam bem-vindos a Agreste! – saudou Ascânio alegremente.

- Bonjour, frère! Respondeu o espacial tirando a luva para tomar de um lenço lilás e limpar a testa – Que calorzinho, hein!

- Daqui a pouco refresca. As tardes, a partir das quatro, são fresquíssimas, de noite
chega a fazer frio
. Clima seco, ideal – Ascânio Trindade inicia sua pregação.

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