sábado, abril 04, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 91




Ideia de Ascânio contara com o apoio geral, na boca do povo Tieta era a heroína da cidade. Não a tinham ainda colocado no altar-mor da Matriz, ao lado da Senhora de Sant’Ana, como previra Modesto Pires, mas pouco faltava. Ao passar na rua, no princípio da tarde, na companhia de Leonora e de Perpétua, a caminho do cartório onde marcara encontro com o dono do trapiche, das casas saíam pessoas para cumprimentá-la, para lhe agradecer: houve quem lhe beijasse a mão. Ao sabê-la no Agreste, o coronel Artur de Tapitanga abandonou a casa grande da fazenda, andando o quilómetro a separá-lo da rua, veio abraçar a benemérita cidadã:

- Minha filha, Deus escreve certo por linhas tortas. Quando Zé Esteves lhe tocou daqui, era porque Deus a queria fazer voltar como rainha. – Punha-lhe uns olhos de bode velho e lúbrico já sem força nos ovos mas ainda com apetite no coração. – Quando vai-me visitar ver minhas cabras?

Também Bafo de Bode (na imagem) a homenageou à sua maneira, ao vê-la na porta do cinema:

- Viva dona Tieta que manda um bocado e é um pedaço de mau caminho!

Tieta, ao passar, na mão negra de sujo deixa o necessário para uma semana de cachaça farta e ao adiantar-se, na intenção de alegrar-lhe os olhos, soltou as cadeiras em requebro de proa de barco em meio de vendaval.

Concluída a escritura, lavrado o termo da compra do terreno, completado o pagamento em moeda viva, Tieta, antes de voltar para casa, passou na Agência dos Correios para abraçar dona Carmosina e despachar uma carta. Já agora acompanhada também por Ascânio e pelo bardo De Matos Barbosa, atacado de saudade e reumatismo: tua presença Tieta, é sol e medicina, basta-me fitar teu rosto para me sentir curado.

Dona Carmosina anunciou:

- De noite, vou lhe ver para a gente conversar. Tenho muitas novidades… os olhos indicavam Leonora e Ascânio, assunto predilecto.

- Não estarei. Volto hoje mesmo, daqui a pouco, para Mangue Seco. Passei para lhe ver e saber notícias de dona Milú.

- Volta hoje? Por que toda essa pressa?

- Estou levantando minha choupana, já comecei. Tu me conhece , quando quero um coisa, quero logo, tenho pressa. Desejo ver as paredes de pé antes de ir embora.

Você não pode ir embora tão cedo. Nem fale nisso.

- Por que não?

- Antes da inauguração da luz? O povo não vai deixar.

Tieta riu:

- Até me sinto candidata a deputado… Você me representa na festa. – Mas, quem sabe, talvez eu fique, prolongue as férias, não tanto pela festa mas para ver a minha casinha de pé, em Mangue Seco.

- Fica, sim, com certeza. Ficam as duas… - Fitando a face melancólica de Leonora, dona Carmosina não resistiu: - Sei de alguém que talvez fique para sempre. – Os olhos miúdos faiscavam malícia.

Em casa, a sós com Perpétua, Tieta dera-lhe notícias de Ricardo: menino bom, sobrinho querido, estava sendo de inestimável ajuda. Sob a orientação do Comandante, tomava iniciativas e providências, atravessara duas vezes para o arraial do Saco onde contratara o pessoal necessário, pedreiros e carpinas, mestre-de-obra, gente habituada a trabalhar com troncos de coqueiro sobre areia movediça. Adiantara todos os detalhes, a construção iniciara-se na véspera. Ela o prenderia em Mangue Seco ainda uns dias, nomeara-o seu lugar-tenente.

- O tempo que você quiser, mana, ele está de férias.

Por falar de férias, Ricardo mandara pedir os livros de estudo, nem na praia descuidava dos deveres escolares. Dormia na sala da Toca da Sogra, numa rede, menino de ouro, Tieta queria ajudá-lo e para tanto decidira abrir uma caderneta de poupança em nome dele, num banco em São Paulo. Na carta que deixara na Agência dos Correios, dava ordens à sua gerente para abrir a caderneta em nome do sobrinho com considerável depósito inicial – Perpétua estremeceu ao ouvir a quantia – ao qual todos os meses ela acrescentaria determinada importância, ainda não decidira quanto. Assim, quando Ricardo se ordenasse padre, somando capital, juros e correcção monetária, teria um bom pecúlio.

Perpétua elevou os olhos gratos para o céu, o Senhor começava a cumprir sua parte no trato feito. Depois de agradecer a Deus, fitou Tieta e a ela se dirigiu:

- Não sei o que lhe dizer, mana. Deus lhe há-de pagar. – Tomou, num gesto inopinado a mão da irmã, levou-a ao peito apertando-a contra o coração. Usava corpete de tecido grosso, duro como um peitoril. Com o lenço negro enxugou os olhos lacrimosos.



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