terça-feira, abril 14, 2009


Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 101






O Comandante nem parece ouvir a insinuação, explicando que Ricardo, estando onde está, em férias no próprio paraíso terrestre, só tem razões para sentir-se feliz. Enquanto ouve o Comandante, empolgado, a perorar, sobre o seu tema predilecto, a beleza da praia de Mangue Seco, Tieta pensa no pequeno Ricardo abandonado no colchão de crina, na imensidão selvagem das dunas sobre o mar. No paraíso, Comandante, mas curtindo as penas do inferno! Deve estar plantado no cômoro mais alto, buscando descobrir nas lonjuras do rio sinal de lancha, ouvir ruído de motor. Ela tampouco deseja outra coisa senão descer a correnteza, atravessar a arrebentação da barra, desembarcar em Mangue Seco, correr para os braços do seu menino, no peito adolescente, o calor, a vibração do corpo, a timidez ainda não de todo vencida, o ímpeto, o mastro do saveiro erguido, as velas desatadas. As últimas noites, rolando sozinha no leito da alcova, tinham sido insones e agoniadas. Para acalmar-se, findara por deitar-se na rede, no antigo gabinete do doutor Fulgêncio, onde Ricardo dormira. Buscando a lembrança do sobrinho, encontrou sinais evidentes da batalha travada com o demónio na rede onde ele a desejara contra a própria vontade, onde a tivera nua, em sonho voluptuoso, e não conseguira possui-la, por não saber como agir, pesadelo horrendo. Ali o donzelo seminarista começara a perder a castidade. Tieta espojou-se na rede, tocou a mancha branca, gemeu, cabra em cio.

Outro a aparecer para a prosa regalada, impedindo a conversa íntima e essencial: Ascânio. Chega acompanhado por Aminthas e Seixas. O Comandante não perde a ocasião de criticar as iniciativas do patriótico secretário da prefeitura, ameaçadores projectos turísticos, felizmente mirabolantes.

- Mirabolantes, uma conversa – protesta Ascânio – A qualquer momento, o homem volta…

- Com a boazuda, espero… - corta Aminthas.

- … para definir os planos, tenho a certeza.

Comandante Dário eleva as mãos ao céu:

- Para terminar com o sossego da gente. Vou cavar trincheiras em Mangue Seco, armar barricadas. Quando esses nudistas aparecerem lá, recebo à bala, como Floriano ameaçou receber os ingleses.

- Nudistas? - interessou-se Tieta.

- Soube do casal que esteve aqui e foi a Mangue Seco…

- … e lá chegando, tiraram a roupa e bumba! Na água, nuzinhos como Adão e Eva. Correndo praia afora…

Irreprimível frouxo de riso sacode Tieta, não se contem. Pensa em Ricardo já tão violentado, ainda por cima à volta com nudistas. Era capaz de confundi-los com diabos, vindos dos infernos, para sacrílegas bacanais em Mangue Seco, missas negras, para consumar a definitiva condenação de sua alma. Reduzindo a zero os efeitos da longa pregação da tia, empenhada em acalmar seus temores, restaurando-lhe o ânimo e a confiança.

- Será que Ricardo viu essa gente nua? – pergunta, quando consegue controlar o riso.

Ao imaginar o seminarista em companhia do incrementado casal, todos riem, inclusive Ascânio, Comandante Dário conclui, vitorioso.

- É o que eu digo: Perpétua e os padres, o bispo Don José, você, Tieta, todo o mundo cuidando da inocência do menino e os amigos de Ascânio liquidando todo esse esforça numa tarde. De que adianta você zelar pela castidade de seu sobrinho? Ascânio importa a devassidão, entrega Mangue Seco aos proxenetas, nosso destino é o lenocínio…

Ascânio não se comove com o trágico panorama traçado pelo Comandante.

- Quando os terrenos valorizarem, a Toca da Sogra valer uma fortuna, o Comandante vai me agradecer, e a senhora também, dona Tieta. Fez negócio na hora certa, os preços dos terrenos vão subir.

- Não há preço que pague a minha paz! – conclui, insensível, o Comandante. Volta-se para Tieta. – Então, amanhã logo depois do almoço, então por volta da uma da tarde, de acordo? Vamos aproveitar estes últimos dias, antes que Ascânio transforme Mangue Seco em Sodoma e Gomorra.

- Vai amanhã, dona Antonieta – pergunta o acusado secretário da prefeitura. – Não esqueça que no outro sábado é a inauguração da praça e a senhora é a madrinha da festa.

- Não esqueço, não. Pode contar, não faltarei. Volto a tempo.

Se não voltar irei buscá-la à força, anuncia Aminthas. Ele e Seixas ali presente, com Astério, Osnar e o grumete Peto estão armando uma expedição punitiva para raptá-la na praia, trazê-la de volta. Mangue Seco é aquela maravilha, ninguém pode negar a evidência, praia óptima para passeios, piqueniques, uiquendes, o banho do mar, o banho, as dunas, as vistas, mas daí a demorar-se lá semanas inteiras quem vem a Agreste com tempo medido, isso seus concidadãos não podem tolerar. Dona Carmosina concorda e aplaude a ideia: uma expedição, quem sabe, no próximo Domingo? Que diz a isso Seixas?

- Bom, muito bom. Vou e levo minhas primas – aprova Seixas, opinando pela primeira vez na discussão.

A conversa reservada fica para a noite. Dona Carmosina suspira: mas, sem falta, heim! Se houver outro adiamento ela vai espocar, está inflada
de assuntos, graves e excitantes. Não lhe passa pela cabeça, porém, que maior interessada é Tieta, apenas não o demonstra.

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