Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 105
ONDE O LEITOR ENCONTRA O SEMINARISTA RICARDO, ANJO DECAÍDO, SOBRE O QUAL HÁ BASTANTE TEMPO SÃO FEITAS APENAS VAGAS REFERÊNCIAS (QUASE SEMPRE ELOGIOS NA BOCA LASCIVA DA TIA) E DE COMO ELE SE ATIRA AO MAR
Do alto dos cômoros, Ricardo observa o rio na impaciência de assinalar a lancha de Elieser ou o barco de Pirica, talvez a canoa a motor do Comandante, e vislumbrar o vulto de Tieta.
Como prosseguir ali sem ela, tendo o pecado por única companhia? Assim os viu desembarcar de uma canoa que eles próprios manobravam. Não estavam todos os que haviam acampado nas proximidades do arraial do Saco, apenas dois casais e uma criança pequena, de dois anos quando muito.
Curioso, Ricardo acompanha cada movimento. O rapaz escuro, de cabelo esgrouvinhado, levanta a improvisada âncora, pedra disforme amarrada a uma corda, atira-a ao mar prendendo a canoa. Toma a criança ao colo. O outro, alto e magro, segura um violão. Das duas moças, uma exibe longos cabelos doirados escorridos sobre as costas, provavelmente a mãe da menina pois desce junto com o rapaz que leva a criança; a outra, com flores nos cabelos, é miúda e ágil, atravessa correndo por entre a casa dos pescadores, perseguida pelo moço do violão. O som do riso sobe os cômoros e chega até Ricardo. Estão descalços os cinco e andam para a parte mais bela da praia, a que fica exactamente em baixo da duna mais elevada, de onde Ricardo espia. A mais bela e a mais perigosa, a arrebentação violenta impedindo o banho do mar. Somente quem nasceu e se criou em Mangue Seco atreve-se a nadar naquele trecho do mar erguido em fúria contra as montanhas de areia.
Nas férias anuais em Mangue Seco, quando o Major era vivo, Ricardo acompanhara algumas vezes os filhos de pescadores, aventurando-se entre os vagalhões, mas o pai, tendo-o pegado em flagrante, proibira tal loucura, sob ameaça de castigo severo. Mais de um banhista ali deixara a vida por ignorância ou desejo de exibir-se, derrubado e arrastado pela violência das ondas, massacrado de encontro aos cômoros. Bravio mar de tubarões, sombras cor de chumbo em meio à água revolta.
Inesperados e soberbos, alçam-se em meio às vagas, rondam a praia, esfomeados, multiplicando o perigo. Pouco antes, Ricardo enxergara os vultos de um bando ameaçador, saltando na tormenta. Foram-se mar fora, já não se dis tinguem as manchas de chumbo e morte.
Do alto, Ricardo vê os dois casais e a menina correndo pela praia, brincando. Sentam-se depois na areia e logo ressoa o som do violão, trazido pelo vento. Trechos rotos de melodia, parece música religiosa, lembra cantochão ouvido no convento dos franciscanos em São Cristóvão. Na véspera, tendo ido ao arraial do Saco tratar de compra e transporte de material para a construção, Ricardo soubera do acampamento dos hipies. Um grupo de mais de vinte moças, rapazes e crianças, novidade recente e provocante.
Os dois filhos do dono da cerâmica onde adquirira os tijolos – o pedreiro errara no cálculo, levando a tia a comprar a quantidade bem menor que a necessária – rapazolas mais ou menos da sua idade, convidaram-no a ir espiar, ele aceitou.
Como prosseguir ali sem ela, tendo o pecado por única companhia? Assim os viu desembarcar de uma canoa que eles próprios manobravam. Não estavam todos os que haviam acampado nas proximidades do arraial do Saco, apenas dois casais e uma criança pequena, de dois anos quando muito.
Curioso, Ricardo acompanha cada movimento. O rapaz escuro, de cabelo esgrouvinhado, levanta a improvisada âncora, pedra disforme amarrada a uma corda, atira-a ao mar prendendo a canoa. Toma a criança ao colo. O outro, alto e magro, segura um violão. Das duas moças, uma exibe longos cabelos doirados escorridos sobre as costas, provavelmente a mãe da menina pois desce junto com o rapaz que leva a criança; a outra, com flores nos cabelos, é miúda e ágil, atravessa correndo por entre a casa dos pescadores, perseguida pelo moço do violão. O som do riso sobe os cômoros e chega até Ricardo. Estão descalços os cinco e andam para a parte mais bela da praia, a que fica exactamente em baixo da duna mais elevada, de onde Ricardo espia. A mais bela e a mais perigosa, a arrebentação violenta impedindo o banho do mar. Somente quem nasceu e se criou em Mangue Seco atreve-se a nadar naquele trecho do mar erguido em fúria contra as montanhas de areia.
Nas férias anuais em Mangue Seco, quando o Major era vivo, Ricardo acompanhara algumas vezes os filhos de pescadores, aventurando-se entre os vagalhões, mas o pai, tendo-o pegado em flagrante, proibira tal loucura, sob ameaça de castigo severo. Mais de um banhista ali deixara a vida por ignorância ou desejo de exibir-se, derrubado e arrastado pela violência das ondas, massacrado de encontro aos cômoros. Bravio mar de tubarões, sombras cor de chumbo em meio à água revolta.
Inesperados e soberbos, alçam-se em meio às vagas, rondam a praia, esfomeados, multiplicando o perigo. Pouco antes, Ricardo enxergara os vultos de um bando ameaçador, saltando na tormenta. Foram-se mar fora, já não se dis tinguem as manchas de chumbo e morte.
Do alto, Ricardo vê os dois casais e a menina correndo pela praia, brincando. Sentam-se depois na areia e logo ressoa o som do violão, trazido pelo vento. Trechos rotos de melodia, parece música religiosa, lembra cantochão ouvido no convento dos franciscanos em São Cristóvão. Na véspera, tendo ido ao arraial do Saco tratar de compra e transporte de material para a construção, Ricardo soubera do acampamento dos hipies. Um grupo de mais de vinte moças, rapazes e crianças, novidade recente e provocante.
Os dois filhos do dono da cerâmica onde adquirira os tijolos – o pedreiro errara no cálculo, levando a tia a comprar a quantidade bem menor que a necessária – rapazolas mais ou menos da sua idade, convidaram-no a ir espiar, ele aceitou.
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