Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 111
- Por isso você quis saber dos hipies, por causa do seu irmão?
- Não meu pai. É que, ontem, eu estava de coração pesado, na certeza de ter ofendido a Deus e posto fim à minha vocação, estava cheio de raiva e de ciúme, como um amaldiçoado; só consegui dormir na praia, depois de nadar muito. Quando acordei os hipies me cercavam e cantavam para mim. Eles sossegaram meu coração, me deram a paz que eu procurava.
- Paz e amor, são palavras de Deus as que eles usam. Pássaros do jardim celeste, eu não lhe disse? Você sente vocação para o sacerdócio ou foi mandado para o seminário?
Ricardo medita, se interroga, antes de responder:
- Mãe tinha feito uma promessa, acho que pela saúde de meu pai. Mas quando ela me contou, eu mesmo quis ir, desde pequeno Mãe me ensinou a temer a Deus.
- A temer ou a amar?
- E se pode amar a Deus sem ter medo dele? Não sei separar as duas coisas, meu pai.
- Pois deve separá-las. Nada do que faça por medo é virtude. Nada do que faça por amor é pecado. Deus não preza o medo nem os medrosos. Você deseja mesmo ser padre?
- Desejo, sim, meu pai, mas não posso mais.
- E porque não pode se deseja?
- Não mereço. Pequei, violei a lei de Deus, desfiz o trato, rompi o voto.
- Deus não é homem de negócios, meu filho, não faz tratos de toma e dá e quando um filho seu viola a lei tem o remédio à mão, a confissão. Você pecou contra a castidade, não foi?
- Foi, meu pai. Com…
- Não lhe perguntei com quem, isso não muda a qualidade da culpa.
- Pensei, meu pai.
- Diga-me apenas uma coisa: apesar do medo do castigo, você detestou o pecado ou acha que valeu a pena, mesmo tendo de pagar no inferno?
- Apesar do medo não me arrependi, meu pai. Não vou mentir.
Sorriu o frade com ternura o frade com ternura e disse:
- Agora se ajoelhe para receber a penitência e a absolvição.
- Mas meu pai, como vou receber a absolvição, senão me confessei ainda?
- O que você vem de fazer, senão se confessar? Reze três padres-nossos e cinco ave-marias e, se pecar de novo, não fuja de Deus com medo como se ele fosse um carrasco. Se confesse a um padre, ou a Deus directamente.
Ajoelhou-se Ricardo, recebeu bênção e absolvição mas ainda quer saber se deve ou não continuar no seminário maior preparando-se para a santa missão de levar a palavra de Deus aos homens.
- Meu pai, depois do que eu fiz ainda posso aspirar ao sacerdócio? Ainda sou digno?
- Por que não? Há quem diga que os padres devem casar, há quem diga que não, essa é uma discussão difícil que não cabe aqui. Eu não lhe sei dizer qual o melhor padre: se aquele que castiga o corpo, deixando-o amargar-se no desejo, aquele que se oprime para assim servir a Deus, macerando a própria carne, violentando-se, ou o que sofre por ter pecado, aquele que não resiste ao apelo, se entrega e se levanta para cair de novo. Um se martiriza, inimigo do próprio corpo, é forte, se santifica talvez. O outro peca, é fraco, mas ao pecar se humaniza, abranda o coração, não vive em luta com o próprio corpo. Qual deles pode melhor servir a Deus e aos homens? Não posso lhe dizer, sabe por quê?
- Ricardo fita o sacerdote, frágil carcaça, olhos de água, luminosos, a mão ossuda que o abençoara e absolvera do pecado:
- Por quê, meu pai?
A voz de Frei Timóteo é cálida e fraterna:
- Quando eu me ordenei já era um velho. Velho e viúvo. Fui casado, sou pai de quatro filhos, tenho o corpo em paz. Procure servir a Deus, servindo aos homens, não sinta medo de Deus nem da vida; agindo assim será um bom pastor.
- E o demónio, meu pai?
- O demónio existe e se revela no ódio e na opressão. Antes de ter medo do pecado, meu filho, tenha medo da virtude, quando ela for triste e quiser limitar o homem. A virtude é o oposto da tristeza, o pecado é o oposto da alegria. Deus fez o homem livre, o demónio o quer vencido pelo medo. O demónio é a guerra, Deus é a paz e o amor. Vá em paz, meu filho, volte todas as vezes que quiser e, sobretudo, não tenha medo.
Ricardo beija a mão de Frei Timóteo, recolhe os embrulhos:
- Obrigado, meu pai, vou em paz, agora eu sei.
Da canoa se volta, para novamente ver na tarde luminosa o frade tão frágil e tão forte. Ainda em vida e já em odor de santidade.
- Não meu pai. É que, ontem, eu estava de coração pesado, na certeza de ter ofendido a Deus e posto fim à minha vocação, estava cheio de raiva e de ciúme, como um amaldiçoado; só consegui dormir na praia, depois de nadar muito. Quando acordei os hipies me cercavam e cantavam para mim. Eles sossegaram meu coração, me deram a paz que eu procurava.
- Paz e amor, são palavras de Deus as que eles usam. Pássaros do jardim celeste, eu não lhe disse? Você sente vocação para o sacerdócio ou foi mandado para o seminário?
Ricardo medita, se interroga, antes de responder:
- Mãe tinha feito uma promessa, acho que pela saúde de meu pai. Mas quando ela me contou, eu mesmo quis ir, desde pequeno Mãe me ensinou a temer a Deus.
- A temer ou a amar?
- E se pode amar a Deus sem ter medo dele? Não sei separar as duas coisas, meu pai.
- Pois deve separá-las. Nada do que faça por medo é virtude. Nada do que faça por amor é pecado. Deus não preza o medo nem os medrosos. Você deseja mesmo ser padre?
- Desejo, sim, meu pai, mas não posso mais.
- E porque não pode se deseja?
- Não mereço. Pequei, violei a lei de Deus, desfiz o trato, rompi o voto.
- Deus não é homem de negócios, meu filho, não faz tratos de toma e dá e quando um filho seu viola a lei tem o remédio à mão, a confissão. Você pecou contra a castidade, não foi?
- Foi, meu pai. Com…
- Não lhe perguntei com quem, isso não muda a qualidade da culpa.
- Pensei, meu pai.
- Diga-me apenas uma coisa: apesar do medo do castigo, você detestou o pecado ou acha que valeu a pena, mesmo tendo de pagar no inferno?
- Apesar do medo não me arrependi, meu pai. Não vou mentir.
Sorriu o frade com ternura o frade com ternura e disse:
- Agora se ajoelhe para receber a penitência e a absolvição.
- Mas meu pai, como vou receber a absolvição, senão me confessei ainda?
- O que você vem de fazer, senão se confessar? Reze três padres-nossos e cinco ave-marias e, se pecar de novo, não fuja de Deus com medo como se ele fosse um carrasco. Se confesse a um padre, ou a Deus directamente.
Ajoelhou-se Ricardo, recebeu bênção e absolvição mas ainda quer saber se deve ou não continuar no seminário maior preparando-se para a santa missão de levar a palavra de Deus aos homens.
- Meu pai, depois do que eu fiz ainda posso aspirar ao sacerdócio? Ainda sou digno?
- Por que não? Há quem diga que os padres devem casar, há quem diga que não, essa é uma discussão difícil que não cabe aqui. Eu não lhe sei dizer qual o melhor padre: se aquele que castiga o corpo, deixando-o amargar-se no desejo, aquele que se oprime para assim servir a Deus, macerando a própria carne, violentando-se, ou o que sofre por ter pecado, aquele que não resiste ao apelo, se entrega e se levanta para cair de novo. Um se martiriza, inimigo do próprio corpo, é forte, se santifica talvez. O outro peca, é fraco, mas ao pecar se humaniza, abranda o coração, não vive em luta com o próprio corpo. Qual deles pode melhor servir a Deus e aos homens? Não posso lhe dizer, sabe por quê?
- Ricardo fita o sacerdote, frágil carcaça, olhos de água, luminosos, a mão ossuda que o abençoara e absolvera do pecado:
- Por quê, meu pai?
A voz de Frei Timóteo é cálida e fraterna:
- Quando eu me ordenei já era um velho. Velho e viúvo. Fui casado, sou pai de quatro filhos, tenho o corpo em paz. Procure servir a Deus, servindo aos homens, não sinta medo de Deus nem da vida; agindo assim será um bom pastor.
- E o demónio, meu pai?
- O demónio existe e se revela no ódio e na opressão. Antes de ter medo do pecado, meu filho, tenha medo da virtude, quando ela for triste e quiser limitar o homem. A virtude é o oposto da tristeza, o pecado é o oposto da alegria. Deus fez o homem livre, o demónio o quer vencido pelo medo. O demónio é a guerra, Deus é a paz e o amor. Vá em paz, meu filho, volte todas as vezes que quiser e, sobretudo, não tenha medo.
Ricardo beija a mão de Frei Timóteo, recolhe os embrulhos:
- Obrigado, meu pai, vou em paz, agora eu sei.
Da canoa se volta, para novamente ver na tarde luminosa o frade tão frágil e tão forte. Ainda em vida e já em odor de santidade.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home